Ele/Ela não ficaria com alguém como você!
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Cada um de nós vive a própria vida afetiva. Carregamos traumas, bloqueios e afins, mas não pensamos muito neles de forma racional, principalmente quando somos nós quem dispensamos o outro. Uma vez ouvi uma frase que ficou na cabeça e me assombrava sempre ao identificar padrões de rejeição/abandono: ‘você achou mesmo que vocês iriam ficar juntos? Olha só para você...’ . No momento foi pesado, soou como uma avalanche de vergonha, culpa, frustração e ódio. O que havia de errado em mim? Contudo, eis que um dia me acalmei e decidi olhar os detalhes. Olhei com muita boa vontade, sem culpa e sentimentos de rejeição, comuns (e caros) nessa dinâmica que é se relacionar com o outro.
Lembrei da vez em que estava saindo com uma pessoa e que tudo caminhava bem, à medida que nós nos conhecíamos. Éramos adoráveis e sem idealizações de perfeição. Até que se abriu o baú de histórias de ex e essa pessoa passou a falar de como era tratada por eles. Guardei essas informações para mim, institivamente. Pouco tempo depois, fui percebendo o desinteresse em manter a conversa, a má vontade em responder as mensagens e o contato minguou até não existir mais pontes de conexão. O que eu fiz? Comecei a procurar defeitos em mim que pudesse justificar o abandono, afinal, eu achei mesmo que ficaria junto com essa pessoa? Olha para mim...
Corri e fui para uma terapia hiper introspectiva munido de uma enorme lista de defeitos e coisas que achava que precisava melhorar. A culpa só podia ser minha, de quem mais? Foi quando ouvi novamente a mesma frase dita, agora ressignificada por alguém que realmente consegue fazer leituras sobre responsabilidade afetiva: ‘olha para você... vocês jamais ficariam juntos’, o adicional foi ‘você é muito melhor para essa pessoa do que ela mesma é capaz de reconhecer’. E foi aí que caiu a ficha. Não havia defeito em mim e a responsabilidade da relação não ter vingado não era minha. Havia era coerência na afirmação dela por ser um chamado para olhar para dentro. A lista de culpa e defeitos não fazia tanto sentido diante dessa situação. Aqui faço um comentário antitextão: não é que eu, ou qualquer pessoa que passe por isso, sejamos os mais queridos e especiais do universo. Não somos o elemento X capaz de transformar o mundo e ganhar o Nobel da paz, calma. Merecemos nutrir mais valor e amor próprio, porque socialmente somos tão diminuídos por demonstrar afeto que isso interfere diretamente na nossa percepção e culpa nas relações.
Aqui vai mais um argumento antitextão: não coloco aqui que o afeto é
melhor do que o não afeto, que o casual é inferior ao compromisso. São apenas
formas de se relacionar distintas, e quem vai afirmar se é pior ou não é quem
vive tais relações e não você, justiceiro do Twitter. Não adianta impor para alguém que
busca relações casuais uma relação formal e vice-versa. Para essa pessoa
citada, o padrão dela era autodestrutivo, porque ela perdeu o amor próprio e a
noção de que ela poderia receber o afeto de outras formas além do mero casual e,
por isso mesmo, se esquivava de qualquer padrão que não fosse de humilhação.
O ponto central de todo esse papo é: você não vai estar feliz com alguém que não conhece os próprios traumas
e bloqueios, que te dá migalhas ou pouquíssimo espaço para entrar na vida dela. Tampouco com as migalhas afetivas para preencher a carência
afetiva que você possui por buscar um relacionamento formal e as que você
incorpora, ao construir uma pessoa que não existe, criada para suprir sua
vontade de ter alguém com você. Justamente porque essa pessoa sequer seria
capaz de reconhecer o que é um sentimento sincero para além do que ela foi
acostumada nos relacionamentos anteriores: de humilhação, submissão e alguém
facilmente dispensável.
Tem um ponto importante que precisa ser dito também: se você
precisa se reduzir para caber na vida do outro, se precisa implorar por atenção
e para que as coisas aconteçam, não precisa nem dizer que tem algo errado aí,
né? Saudável é que não pode ser.
Você não é emocionado (a), repita! | Foto: OC |
Então, dito tudo isso e depois de muita terapia e introspeção,
a gente pode chegar à conclusão de que, essa frase dita (a de que ele/ela não ficaria com alguém como você) abre o lugar de
rejeição e culpa que precisa ser confrontada com a realidade. Quem sou eu? O que ofereço
e o que essa pessoa está acostumada a entender como padrão de relação afetiva? E
vice-versa. Com essa clareza vamos entender o nosso lugar no mundo e fazer uma
leitura mais concreta dessas pessoas que vislumbramos nos relacionar.
Ah, e não adianta resumir a questão com a frase que está da
moda no TikTok: ‘você é muito emocionado
(a)’, não é sobre isso. É sobre entender que, de fato, há pessoas que não
estão aptas a se relacionar com ninguém que a valorize, porque ela não descobriu
o próprio valor. E a descoberta do próprio valor cabe nos dois lados. Em quem
rejeita uma pessoa incrível por não reconhecer que os padrões de afeto que possui
são tóxicos e as oprime, a ponto de buscar sempre quem a humilhe e a coloque
em lugares inferiorizados; quanto da pessoa que é lida como a ideal para uma
relação, mas que se submete a migalhas afetivas para sustentar esse lugar de
relacionamento que ela busca para si. Meio óbvio dizer isso agora, mas a gente dá muitas voltas
e vive alguns solavancos até entender isso.
Portanto, da próxima vez que você ouvir que não é para
determinada pessoa, pense bem: quem é essa pessoa e quem é você. Será que é pedir muito separar o joio do trigo para não sofrer tentando ser feliz?