Ele/Ela não ficaria com alguém como você!
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| foto: pixabay |
Cada um de nós vive a própria vida afetiva. Carregamos traumas, bloqueios e afins, mas não pensamos muito neles de forma racional, principalmente quando somos nós quem dispensamos o outro. Uma vez ouvi uma frase que ficou na cabeça e me assombrava sempre ao identificar padrões de rejeição: ‘você achou mesmo que vocês iriam ficar juntos? Olha para você...’ . No momento foi pesado, soou como uma avalanche de vergonha, culpa, frustração e ódio. O que havia de errado em mim? Contudo, eis que um dia me acalmei e decidi olhar. Olhei com muita boa vontade, sem culpa e sentimentos de rejeição, comuns (e caros) nessa dinâmica que é se relacionar com o outro.
Lembrei da vez em que estava saindo com uma pessoa e que tudo caminhava bem, à medida que nós nos conhecíamos. Éramos adoráveis e sem idealizações de perfeição. Até que se abriu o baú de histórias de ex e essa pessoa passou a falar de como era tratada por eles. Guardei essas informações para mim, institivamente. Pouco tempo depois, fui percebendo o desinteresse em manter a conversa, a má vontade em responder as mensagens e o contato minguou até não existir mais pontes de conexão. O que eu fiz? Comecei a procurar defeitos em mim que pudesse justificar o abandono, afinal, eu achei mesmo que ficaria junto com essa pessoa? Olha para mim...
Corri e fui para terapia munido de uma enorme lista de defeitos e coisas que achava que precisava melhorar. A culpa só podia ser minha, de quem mais? Lá ouvi novamente a mesma frase dita, agora ressignificada por alguém que realmente consegue fazer leituras sobre responsabilidade afetiva: ‘olha para você... vocês jamais ficariam juntos’, o adicional foi ‘você é muito melhor para essa pessoa do que ela mesma é capaz de reconhecer’. E foi aí que caiu a ficha. Não havia defeito em mim e a responsabilidade da relação não ter vingado não era minha. Aqui faço um comentário antitextão: não é que eu, ou qualquer pessoa que passe por isso, sejamos os mais queridos e especiais do universo. Não somos o elemento X capaz de transformar o mundo e ganhar o Nobel da paz, calma. Mas temos valores e amor próprio. Fato é que havia coerência na afirmação dela e lista cheia de adjetivos e culpas que criei não fazia tanto sentido assim.
Veja, uma pessoa que vem de padrões destrutivos, de relações em que, basicamente, foi humilhada várias vezes pelo seus ex. Depois entrou em ciclos infinitos de conhecer gente via aplicativos e passou a ser tratada como alguém descartável depois do primeiro encontro (nada contra e zero conservadorismo nessa frase), obviamente, ela iria estranhar sinais de afeto e de qualquer coisa diferente do que ela entende como relação, de estar com alguém que a trata com carinho, escuta, faz questão de estar presente e que, provavelmente estaria lado a lado para o que ela precisasse. Alguém, em outras palavras, que tinha condições e disposição de construir algo com ela, algo que ela sequer vislumbrou um dia, porque seu padrão anterior é autodestrutivo.
Aqui vai mais um argumento antitextão: não coloco aqui que o afeto é
melhor do que o não afeto, que o casual é inferior ao compromisso. São apenas
formas de se relacionar distintas, e quem vai afirmar se é pior ou não é quem
vive eles e não você, justiceiro do Twitter. Não adianta impor para alguém que
busca relações casuais uma relação formal e vice-versa. Para essa pessoa
citada, o padrão dela era autodestrutivo porque ela perdeu o amor próprio e a
noção de que ela poderia viver o afeto de outras formas além do mero casual e,
por isso mesmo, se esquivava de qualquer padrão que não fosse de humilhação.
O ponto central de todo esse papo é: você não vai estar feliz com alguém que não conhece os próprios traumas
e bloqueios, que te dá migalhas ou pouquíssimo espaço para entrar na vida dela.
Migalhas afetivas para preencher a carência
afetiva, que você possui por buscar um relacionamento formal, e as que você
incorpora ao construir uma pessoa que não existe, criada para suprir sua
vontade de ter alguém com você. Justamente porque essa pessoa sequer seria
capaz de reconhecer o que é um sentimento sincero para além do que ela foi
acostumada nos relacionamentos anteriores: de humilhação, submissão e alguém
facilmente dispensável.
Tem um ponto importante que precisa ser dito também: se você
precisa se reduzir para caber na vida do outro, se precisa implorar por atenção
e para que as coisas aconteçam, não precisa nem dizer que tem algo errado aí,
né? Saudável é que não pode ser.
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Você não é emocionado (a), repita! | Foto: OC |
Então, dito tudo isso e depois de muita terapia e introspeção,
a gente pode chegar à conclusão de que, essa frase dita (a de que ele/ela não ficaria com alguém como você) abre um lugar de
rejeição e culpa que precisa ser confrontada com a realidade. Quem sou eu? O que ofereço
e o que essa pessoa está acostumada a entender como padrão de relação afetiva? E
vice-versa. Com essa clareza vamos entender o nosso lugar no mundo e fazer uma
leitura mais concreta dessas pessoas que vislumbramos nos relacionar.
Ah, e não adianta resumir a questão com a frase que está da
moda no TikTok: ‘você é muito emocionado
(a)’, não é sobre isso. É sobre entender que, de fato, há pessoas que não
estão aptas a se relacionar com ninguém que a valorize, porque ela não descobriu
o próprio valor. E a descoberta do próprio valor cabe nos dois lados. Em quem
rejeita uma pessoa incrível por não reconhecer que os padrões de afeto que possui
são tóxicos e as oprime, a ponto de buscar sempre quem a humilhe e a coloque
em lugares inferiorizados; quanto da pessoa que é lida como a ideal para uma
relação, mas que se submete a migalhas afetivas para sustentar esse lugar de
relacionamento que ela busca para si. Meio óbvio dizer isso agora, mas a gente dá muitas voltas
e vive alguns solavancos até entender isso.
Portanto, da próxima vez que você ouvir que não é para
determinada pessoa, pense bem: quem é essa pessoa e quem é você. Será que é pedir muito?