Outra vez

A aurora do dia
penetra suavemente nos meus olhos, enquanto percebo que o sonho já está no fim e estou retornando ao meu corpo. Abro eles e fito o teto branco e o lustre verde apagado. Tento inutilmente decifrar o lugar desconhecido em que estou. Viro à esquerda e vejo um
porta-retratos, com rostos desconhecidos, em um criado mudo. À direita, um
armário espelhado, que refletia a porta de uma varanda, com a paisagem
absurdamente bela do sol casando-se com o mar. Parecia um portal para outra
dimensão.
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Crédito: Fotos.fot.br - Reprodução através do Google imagens. |
De pé,
completamente paralisado com a beleza que via, sinto o cheiro de café sendo
feito. Embora não goste tanto dele, o seu cheiro me convida a bebê-lo. Tenho
receio em fechar os olhos e de respirar fundo para relaxar. Então me distraio
com os meus pensamentos e desejos, ainda de olhos abertos.
De repente, sou
surpreendido com duas mãos macias e quentes que me abraçam pelas costas. Sinto
o perfume leve, que se confunde com a própria brisa da que vem de fora. Ao mesmo tempo ele é particular. Vejo, ainda de costas, a sua sombra
desenhando o seu corpo no chão, quando escuto sua voz me dizendo:
- Oh, então você
acordou, achei que fosse dormir mais. Diz virando-se para mim e encarando os
meus olhos perdidos, como se eu soubesse exatamente quem era.
- Você parece
assustado. Está tudo bem? - Perguntou.
Recebo um beijo
de leve e continuo em silêncio. Tento desvendar de quem seria este semblante
harmônico e exageradamente belo. Parecia ter sido feito a mão. Devoro cada
traço do seu rosto, para que ele faça parte de mim.
Percebendo meu
silêncio, continuou:
- Fiz um pouco
de café, não quer me acompanhar?
Não sei como
agir. Tenho medo de fazer algo errado e tento fazer de conta que realmente sei
onde estou e com quem. Encaixo um sorriso no meio do próprio
rosto abismado e lhe respondo:
- E como poderia
não aceitar um convite feito com este sorriso?
- Ah seu bobo,
sempre tão doce! Te espero na sala ao lado, os pães estão frescos. Não demore,
vou por a mesa para a gente. Teremos um longo dia.
A angústia da
incerteza de não saber o que era tudo isso me incomodava, no entanto,
paradoxalmente me sentia leve e bem. O sorriso e cheiro talvez fossem
conhecidos, mas não conseguia relacionar a ninguém que conhecesse, pelo menos
neste momento. Enquanto tento encontrar algo material, sento novamente na cama
e encaro o meu rosto no espelho. Toco nele na tentativa de descobrir se era
um sonho ou delírio. Distraído e emocionado com tudo, fecho meus olhos por
alguns segundos. Sinto paz, a felicidade e euforia em sentir o amor por inteiro. Tudo parece transformado em mim. Respiro mais fundo até que percebo que a cor que via com os meus olhos fechados
já não era a mesma.
Abro os olhos
apavorado. Percebo que estou de pé e no meu quarto. Fito com rapidez e precisão
o velho quadro na parede, os CDs e as calças espalhadas na cadeira. Tudo era
novamente reconhecível. Embora não soubesse o que estava acontecendo, o cheiro
ainda estava permutando no ar. Poderia senti-lo exatamente como há poucos
segundos. Respirei fundo, em um ritmo desesperado, tudo que quero é manter àquele cheiro
dentro de mim. Lembro-me do rosto devorado, que agora é lembrança. Minha mente digesta essa sensação de infinidade.
Caminhei ainda
meio bambo e sentei na cama intacta. Tropeço em meio mundo de coisas no caminho. Vislumbrava encontrar o equilíbrio e a
paz novamente. Estava cético por não ter certeza e não saber de nada. Estava
refém de alguém que desconheço. Fecho os olhos e o desejo é de voltar no
tempo e espaço, da mesma forma em que saí de lá e voltei para o conhecido. Nada acontece, ou melhor, aconteceu: desejei sentir àquilo outra vez,
apenas para sempre. Foi intenso demais para ter sido sonho ou delírio.
Noto que agora
terei longos dias. Noto que o meu tempo nunca mais será o mesmo. Me aproximo da
janela. Vejo as cores do dia e o movimento cotidiano. Rostos desconhecidos passam
pelos meus olhos, e neles tiro a certeza de que este foi apenas o primeiro passo para
não desistir de encontrar e ter você.
Oi Vinicius
ResponderExcluirNossa, eu viajei em suas palavras, vc escreve muito bem, acho que já te falei isso (kkkkk). Terá cenas do próximo capítulo?
Bjos e uma ótima semana.
http://ashistoriasdeumabipolar.blogspot.com.br/
Olá Luciana,
ResponderExcluirSempre um prazer ter você por aqui.
Ainda não sei, acho que o conto terminou com uma ideia de que quem está lendo construa o final. Talvez eu dê continuidade, mas é muito provável que não. rs
Ótima semana pra você também.
:**
Awn, que lindo, Vinicius! Adoro esses contos assim, com uma dose de romantismo.
ResponderExcluirFiquei até sem palavras pra comentar.
:*
Oi Vinicius!
ResponderExcluirLindo texto! Suave e terno!
No início, pensei em um sonho ou quem sabe uma realidade como Matrix, mas depois me acomodei em uma sensação do amor que ainda não se via.
Beijos.
Lu
Erica,
ResponderExcluirFico feliz que tenha se envolvido com tanta intensidade com este conto.
Agradeço a leitura!
Luciana,
ResponderExcluirObrigado pelo comentário. Bacana sua interpretação você leu pensando em coisas diferentes e ao mesmo tempo próximas, muito bom saber disso.
SHOW
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