Meio-fio urbano: O cotidiano gasto



E nos arredores do cotidiano, um(ns) sujeito(s):

Ele queria encontrar a luz, mas nunca abriu a janela. Nutria o medo de levarem o que tinha em casa. Meus bens, meus bens. Queria pedidos de desculpas, mas nunca perdoou. Isso é injusto, olha o que fizeram comigo! Queria ser compreendido e entendido, mas não tem paciência de ver o que é diferente e de ouvir. Agora não posso, estou ocupado. Ele quer rapidez, mas não se esforça em ser ágil. Daqui a pouco começo, vocês podem esperar.
Deseja um amor, mas não sabe o que é amor próprio. Acho que não gosto de mim. Chegava a ser hipócrita pedindo respeito, quando nunca foi capaz de se respeitar. Danem-se os outros. Reclama dos que vivem chorando, mas muitas vezes não via motivos para sorrir. A vida é uma droga, está tudo errado. Reclamava da sujeira nas ruas da cidade, mas jogava pela janela do ônibus a embalagem de tudo que comia. Estou garantindo o emprego do gari.
Ele queria ser muito rico, ter muito poder. No entanto, acordava todos os dias às 14h. Quando estava empregado, não demorava tanto. Vivia de seguros e bolsas temporais. Criticava os mais ricos, mas o seu verdadeiro sonho era oprimir e ostentar riqueza. Viciado em jogos e qualquer coisa que dê dinheiro fácil.
Num dia qualquer atravessou a rua, foi até a banca de jornal e observou um rapaz que lia uma revista de comportamento. Ao pagar pela revista, viu que ele deixou cair uma nota de R$50,00 no chão. Sem que o dono visse, escondeu a nota pisando-a. Logo depois, se agachou e pegou a nota com um sorriso amarelo. Me dei bem - pensou.
Saiu por aí, contando vantagens e para não perder a pose criticou os impostos, e os escândalos envolvendo dinheiro público, enquanto gastava os R$ 50,00. Chegou em casa e ligou a TV. Tinha vários canais, mas só assistia um: o que conseguia entender. Entrava na internet e só procurava coisas para rir, piadas que davam a ilusão de que era inteligente. Humor arrogante e preguiçoso. Precisava apontar os defeitos para se sentir superior e útil.
E depois ele quer mudanças, quer um mundo melhor, depois ele cobra dos outros. É, existe mesmo uma diferença e distância entre as palavras querer, poder, ter e fazer. Quem sabe um dia ele entenda.
E assim continuou achando eu se dava bem, achando que estava no controle. Ver o que há nos outros parece mais fácil do que ver a si mesmo.

# Footnote:

Mais um texto da coluna Meio-fio urbano, depois de um hiatus. Agradeço a leitura e comentários. 

Falando em meio urbano, me pergunto se Salvador é realmente uma cidade grande. É impressionante: vivemos o tempo inteiro incentivados a ficar em casa. O sistema de transporte é precário durante o dia, noite e finais de semana. Não temos muitas opções de entretenimento, muitas vezes apenas mais do mesmo. Em suma, que cidade grande é essa cujas pessoas se escondem? Que se sairmos tarde da noite (22h) não encontraremos um pé de gente? É realmente lamentável que a primeira capital do Brasil esteja entregue as traças, esquecida. A história contada a partir da arquitetura vive tombada, a espera de um milagre e quem vive próximo a ela sente-se num campo minado. A educação precária, saúde doente e infraestrutura de uma cidade emergente, sem planejamento e sem respeitar a natureza. À medida que se paga muito mal, há mais exploração. Enquanto isso a preocupação é apenas com a Arena Fonte Nova, com o Carnaval e os bolsos das mesmas pessoas continuam cheios. E assim acham que se dão bem, achando que estão no controle. Triste Salvador. 


Comentários

  1. Oi Vinicius
    Que bom que vc voltou "com a corda toda" kkkkkkkk, muito boa sua reflexão, é bem por aí, não sei se vc conhece porque não é da tua época, mas ainda prevalece a "lei de Gerson" que é "se dar bem em tudo", depois procura na net, Gerson era um jogador de futebol, isso pegou muito mal prá ele, mas essa é a verdade, as pessoas criticam o governo, mas não são tão honestas assim como o seu personagem. Parabéns!
    Bjos. e um ótimo final de semana.

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  2. Oi Vinicius,

    Tudo bem? o que você descreveu retrata a vida de um parasita que além de fazer mal a si, respira no outro.

    Quanto a Salvador, tenho essa impressão quando vou a cidade, pois vou com frequência a trabalho e indago com um número de turistas e sem grade de programação diária.

    Excelente texto!

    Bom domingo!

    Lu

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  3. Luciana Souza,

    Lu, não conheço esse personagem, vou dar uma sondada...

    Obrigado pelo comentário e leitura!

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  4. Luciana Santa Rita,

    Exato, é um parasita. Mas esse parasisismo não é necessariamente o que se encontra em um único sujeito, imagino que ele esteja dissolvido em muitas formas de encarar o cotidiano...

    Pois é, Salvador se vangloria do turismo e nem isso tem conseguido fazer direito. Complicado.

    Obrigado pelo comentário e contribuições na reflexão!

    Até mais!

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Bem-vind@ a Ótica Cotidiana!
Obrigado pela visita e leitura do texto.


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