Papeando cultura
O processo de socializar e valorizar a nossa
cultura ainda é um grande desafio
Cultura,
arte, o quê são? Certamente algumas pessoas tenderão a pensar nessas respostas
utilizando como base a arte clássica, nos movimentos culturais mais conhecidos
e que provocaram grandes mudanças em escala mundial, ou poderiam pensar também
nas músicas clássicas norte-americanas e europeias. Talvez poucos pensassem na
arte e cultura brasileira como referencial base.
Mas
não adianta julgar as respostas, até porque há um contexto social por detrás delas.
Desde muito cedo estamos acostumados a pensar em arte e cultura tendo referências
outras culturas, sobretudo as que não são locais. Não só isso, desconhecemos a
nossa própria cultura. Há acervos riquíssimos que ainda não estão acessíveis a
qualquer brasileiro, como também o engajamento para conhecer a própria cultura
ainda é pequeno.
Como
poderemos socializar a cultura se ainda vivemos um processo de desvalorização e
falta de incentivo à produção cultural? Como poderemos tratar de cultura e
produção cultural, se há uma economia de mercado da indústria cultural, que nem
sempre favorece a produção independente? Como poderemos abordar cultura, se nas
próprias escolas aprendemos muito pouco acerca da cultura brasileira?
Aprendemos muito mais sobre a Europa do que o nosso próprio estado, uma
contradição. E principalmente: como poderemos tratar de cultura e produção
cultural se muito de nossos artistas são obrigados a abandonar a carreira por
conta do contexto social que não lhes oferece oportunidades concretas para
ascensão? São questões que sabemos que existem e que implicitamente envolvem
uma série de outros fatores, mas ainda assim fazemos muito pouco para tentar
mudar.
Ser artista e ser público
Os
jovens escritores, músicos, atores, pintores, desenhistas, cineastas e
dançarinos encontram diversos problemas para manter-se fazendo o que tanto
gosta. Um músico ou escritor para registrar sua obra, por exemplo, tem de pagar
taxas altíssimas, que muitas vezes não podem ser pagas, devido à sua condição
social. Nas escolas, sobretudo as públicas, pouco se vê aulas de dança, teatro
e música. Aliás, nas escolas públicas faltam professores e recursos para
lecionar as aulas do currículo padrão. Fato comprovado em todo Brasil e
especialmente na Bahia. Bastam analisar os regimes de contratação, a qualidade
e estado dos prédios, as salas lotadas e a baixa remuneração oferecida.
O
resultado poderia ser um só: altos índices de evasão e analfabetismo. O
desestimulo começa aí, na base da formação do indivíduo. Exigem que as crianças
passem o tempo inteiro na escola, mas se a escola não está preparada para
recebê-la, ou ainda se os seus pais possuem condições precárias de
sobrevivência e acaba por obrigá-las a entrar muito cedo no mercado de
trabalho, para compor renda, trabalhando sob condições subumanas e
exploratórias. Será que é levando em consideração esses fatores quando se
alimenta esses discursos?
Observa-se
também, alguns discursos que veiculam o tempo inteiro para que mudemos a nossa
realidade e visão acerca da produção cultural brasileira. Entretanto, quantas
pessoas vão a espetáculos de artistas que ainda não possuem um nome conhecido?
Ou ainda, quantas pessoas vão aos cinemas assistir uma obra brasileira? Quantas
pessoas preferem pagar um ingresso de R$ 400,00 para ver algo internacional --
cantor, circo, espetáculo, musicais -- e não pagam nem 5% desse valor em obras
de qualidade e de iniciantes? Se for para falar de socialização da cultura não
podemos esquecer estes e muitos outros pontos cruciais, que o tempo inteiro modela
o nosso cenário cultural.
Ações e perspectivas para o futuro
Os
centros culturais e as associações de bairro, que possuem dentro de sua
estrutura abertura para ensinar e incentivar a arte, são pouco divulgadas e,
aparentemente, pouco assistidas. Aliás, se fala tanto em incentivo a cultura,
mas que cultura é essa que estão incentivando? Patrocinar eventos de custo
elevado a um artista com carreira consolidada e que consegue patrocínio fácil?
E a ganha comunidade o quê? E a sociedade como um todo? Será que não seria mais
proveitoso e conciso investir uma boa parte do que seria gasto em um espetáculo
conhecido, e investir em algo mais simples que preze a produção cultural?
A
questão de investimento não é tudo, precisa-se ainda atentar ao problema da
falta de emprego e oportunidades. Às crianças não podem se dedicar à arte e
estudo se elas têm de trabalhar. Assim como os jovens iniciantes não podem
continuar a se dedicar à arte se não recebem um incentivo, não só fiscal, mas
principalmente o de consciência de que é preciso valorizar a nossa cultura em
formação.
Precisamos
mudar a nossa mentalidade ao falar de cultura. Precisamos valorizar o que produzimos
e produzirmos. Precisamos, mais ainda, conhecer o que se está produzindo. Se
for para enviar críticas ao material, que estes pelo menos sejam assistidos
para assim ter uma opinião condizente.
Não
que eu seja patriota, ou que esteja evocando o ufanismo romântico de outros
tempos, mas como poderemos produzir algo, se este algo só por ser nosso já
nasce menosprezado? Não podemos pedir o tempo inteiro incentivo, se nós mesmos
já começamos desestimulando. E não se pode esquecer, que socializar a cultura significa
também inclusão de diversos públicos, como é o caso dos deficientes físicos,
negros, homossexuais, dentre outros, afinal de contas o Brasil é ou não é um
país marcado pela diversidade?
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