O doce fim
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| | foto: oticacotidiana |
É como se a gente, de repente, pegasse um espelho, e ele acidentalmente caísse no chão. E quando ele cai, se despedaça. Os cacos se espalham e aí você resolve fazer uma faxina completa para garantir que nenhum pedaço te pegará de surpresa. O fim é mais ou menos assim: quando ele cai no chão, ou seja, quando ele toma forma, quando ele vira isso que a gente acaba vendo e sentindo, não há nada que a gente possa fazer, está cruelmente posto.
É um sonho bom que se esvai quando os seus olhos se abrem contra sua vontade. Não tem como a gente voltar no tempo, não tem como refazer a ação. A vida real não é como um controle digital, em que você pode voltar quando quiser, pausar, rever, refazer, reconstruir ou apagar. A vida real é realmente como um espelho. E esse espelho reflete por vezes com brilho, por vezes de forma opaca, mas está sempre refletindo alguma coisa, mesmo que a distorção.
E quando ele cai no chão e quebra, seus cacos ficam ali espalhados. Você os recolhe todos naquela faxina, mas, numa quarta-feira qualquer, talvez abra a janela, olhe para o horizonte — mesmo que não tenha uma vista bonita — e, de repente, sinta alguma coisa presa na carne do seu pé. É um dos cacos que você jurou que já tinha tirado do lugar onde ele caiu.
E assim é o fim: a gente acha que ele já foi, que já foi consumado, que não tem mais nada para fazer… De repente, ele volta como uma lembrança, o sentimento ácido de que o fim aconteceu, de que algo esteve ali, de que ele está ali. O fim tem essa natureza de tocar na gente de um jeito que ou nos acorda, ou nos transforma de um jeito que a gente não queria, não precisava, mas que talvez precisasse.
E aí, quando dei por mim que tinha acabado, eu não senti nada. Senti apenas um estalo de liberdade, porque aquilo também era uma libertação, era uma forma de tirar de mim aquela angústia que estava comigo durante tanto tempo, durante tantos meses, durante tantas semanas. De repente, eu já não tinha mais ansiedade de receber aquela mensagem: ela já estava posta, já estava vencida por esse fim.
E o fim é isso. O fim te pega nu, mesmo estando vestido, mesmo acobertado de certezas e arrogância.
Quando li aquela mensagem, quando entendi o que significava, entendi o fim. E entender o fim não é uma coisa simples, embora seja súbito, emergente, invasivo — ele só chega. É o fim. Não tem nada que você possa fazer. É como se o seu tempo tivesse acabado, ou o tempo de alguma coisa que você conhecia acabou. “Fim de uma era”, dizemos saudosos… Mas é só uma forma menos cruel de sentir que não há nada que você possa fazer.
“Ah, mas se eu for uma pessoa diferente”, “se eu fizer diferente”… nada disso importa. O fim é o fim. E o fim é severo, como também é doce. Mas a gente não quer e nem consegue encontrar o lado doce, a gente não consegue encontrá-lo na mesma hora. A gente só sente o lado severo, porque o fim traz isso: essa coisa cruel de ter acabado — principalmente quando se trata de coisas do coração, quando se trata de você perder alguém, de perder alguma coisa que considerava importante, de quando algo se finda. Nesse sentido, ele sempre é perverso, mesmo sendo doce.
Doce? Sim, ele vai ser doce em alguns momentos, porque, como eu disse lá atrás, o fim tem esse lado doce também: o lado doce da liberdade — que não é um doce para crianças, é um doce para adultos, porque é meio amargo. A liberdade não é, por si só, algo doce. Ela inclui momentos em que você só vai ter o seu colo frio. Inclui momentos em que você vai pensar em ter tudo e sentir que não tem nada. Mas isso também é parte.
E, por fim, acho que quando a gente encara que acabou, que não há nada para fazer, que é só seguir em frente, a gente consegue sentir o tamanho da paz que também é o fim. E acho que aconteceu isso comigo quando li aquela mensagem, que não dizia “FIM”, mas estava posta como tal.
Quando vi aquela mensagem, senti que não tinha mais nada que eu pudesse fazer, que todo aquele meu esforço de um ano e meio, talvez dois anos, não fazia mais sentido. Foi um esforço em vão. E o que talvez tenha me chocado e machucado foi perceber que esse fim poderia ter sido antecipado, poderia ter sido precoce. Em assuntos do coração, principalmente, a gente tem que torcer por um fim precoce — principalmente se você está escorrendo em seus próprios sentimentos. Porque se você está ali, escorrendo na expectativa, no esforço de fazer acontecer, enquanto sente a indiferença, e sente que quanto mais você se doa, mais a pessoa se afasta, quanto mais você quer, mais a pessoa se afasta… esse é o momento do fim se impor.
Imposição que nos empurra a criar o nosso próprio fim, a ter coragem de cravar que ele tá ali e não esperar do outro a autorização. Quantas vezes a gente fica esperando a autorização do outro, né? Aquela mensagem, aquele fato que vai nos machucar, que vai nos marcar, traumatizar… e é isso. A gente aprendeu a reagir quando os exageros do outro já não são suportáveis. Quando isso tudo acontece, lhe escapole um: “ah, tá, agora sim é hora de dizer que é o fim”. Mas o fim já estava ali. Talvez o fim estivesse justamente naquele segundo dia, naquele pós-encontro, naquela mensagem não respondida, naquele momento em que você sentiu que o outro estava indo, ou que o outro nunca esteve ali. Mas você permaneceu ali na sua esperança, na sua tentativa de ser feliz a qualquer custo, de viver essa coisa a qualquer custo.
Mas o fim estava ali, só que você precisava da autorização do outro. O fim é sempre o fim e vou repetir isso até você entender de uma vez. O fim se conhece mais do que você consegue percebê-lo, ele sabe se impor até no silêncio. O fim é o imperador. E mesmo assim, mesmo tendo passado por tudo isso, em alguns momentos a gente sente que… é isso, é só aceitar. Ele tá aí, ele vem, ele toma, ele leva em doses homeopáticas… e também, depois desse tsunami, te deixa leve um dia.
Então, quando vi aquela mensagem, senti tudo, senti nada e senti a liberdade. E ali pensei: não há nada que eu possa fazer mais para tentar caminhar por esse caminho, por essa rota. Mas tem outra que talvez me faça mais feliz. E a outra, felizmente, passa por não esperar de alguém, por não esperar do outro, por não esperar de algo, por não esperar de absolutamente nada e nem ninguém alguma coisa que eu sei que mereço, que quero, mas que a pessoa não é capaz de dar, que a situação não é capaz de dar, que o lugar não é capaz de dar, que o objeto, a coisa, não é capaz de dar.
Quando você sente que isso é real, quando você sente isso com o seu coração, aí você percebe. O fim não foi apenas severo. Foi, acima de tudo, alívio. Foi o doce fim.
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