A viagem mais cara, destino: você
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| foto: oticacotidiana - imagem feita com IA |
Você decidiu viajar sozinho, decisão apressada tomada em meio a um desejo maior de sentir. Sentir um riso frouxo, colecionar memórias e leveza, instantes belos o suficiente para serem vividos e permanecerem além do arquivo de story do Instagram.
Contudo, a empolgação era frágil. Você tropeçou e foi deixando para depois: escolheu empurrar com a barriga e esqueceu de ver a passagem a tempo, de arrumar a mala e o roteiro. Deixou tudo para fazer naquele dia específico em que teria tempo e disposição. O tempo, entretanto, corria friamente e não se comovia com a desorganização.
O dia chegou: o feriado, as férias, o momento em que a estimada viagem deveria ser vivenciada. Você, no entanto, não tinha passagem, reserva, tampouco um plano do que fazer no local. Só um corpo exausto e uma cabeça cheia de tarefas. Longe de assumir que os planos estavam em risco, abriu o site de passagens aéreas: o preço havia explodido. Dez, quinze vezes mais. Não havia como explicar às companhias aéreas que você tropeçara na organização; o valor era aquele, sem direito a contestação. É o preço de quem não se organiza e ignora os avisos dos próprios compromissos.
Passagens compradas. Preço alto? Sim. Mas vai valer a pena, pensou. Na pressa de organizar tudo para embarcar, você respondia e-mails, encaixava compromissos, fazia reservas e criava um roteiro improvisado com base em pesquisas aleatórias do TikTok. Tudo junto, num só fôlego, mas deu para embarcar. Foi sofrido, mais caro e dolorido em alguns momentos, mas você venceu.
E se essa viagem, na realidade, fosse a sua autoestima?
Sabemos, desde cedo, que um dia vamos precisar dela. Que ela é passagem, bagagem, é casa para onde voltamos quando o mundo não cabe. Contudo, adiamos. Achamos que é para poucos, que é acessório ou algo que só os ricos têm direito a ter. Afinal, eles acessam saúde mental sem ninguém questionar.
Durante boa parte da vida, você acredita que pode viver sem. Alguns, inclusive, vivem a vida inteira assim: esperando que ela se construa sozinha, que o outro seja capaz de erguer as bases... Talvez até ajude, mas não da forma que você gostaria.
O outro talvez contribua justamente quando não te valoriza, quando te abandona e nenhum colo além do seu resta. Quando você se olha no espelho e percebe que ninguém ficou, e agora precisa construir algo sozinho, em meio a tarefas e obrigações da vida adulta. O tempo segue, mas, à medida que avança, cobra a autoestima que você precisaria ter para sobreviver às próprias mudanças de humor.
Crescemos sem perceber que crescemos tortos. Chegamos à fase adulta com a dívida batendo à porta e convivendo com outros adultos endividados emocionalmente. No trabalho, nos doamos mais do que podemos; aceitamos menos do que merecemos. Nos relacionamentos, nos encolhemos, nos adaptamos, nos apertamos para caber onde não há espaço. O que sobra vira migalha, e você aprende a achar que migalha é banquete. Quantas vezes viu um cachorro revirando o lixo e até machucando o focinho, convencido de que havia algo bom ali?
O relógio marcará a hora exata, sem cerimônia. É o momento de ter um amor para chamar de seu e sobreviver aos espaços em que a vida te empurra. Se, nesse tempo todo, você não aprendeu a se dar, sentirá o peso do preço de construir tudo de última hora. Pode até pensar em desistir, em se anular. Mas isso é um lugar seguro?
Construir autoestima no meio da vida é como fazer mala correndo: pagar caro pela passagem, escolher qualquer hotel, qualquer rota e torcer para que, no caminho, algo faça sentido. Mas, se você aguenta, se encara, se não desiste, talvez consiga construir. Mesmo que doa mais, mesmo que leve tempo, mesmo que o preço pareça injusto. E o que surge não é uma parede frágil ou uma maquiagem bonita: é a fundação de um arranha-céu, ou seja, alguém com verdade.
Nesse processo, poucos ficarão. Muitos serão convidados a sair, ou você mesmo os expulsará, porque aprenderá a dizer não e a se priorizar. Revisitará suas dores, medos e inseguranças; sentirá raiva e tristeza pelo que fizeram com você e, principalmente, pelo que você permitiu que fizessem enquanto lutava para caber em espaços que nunca lhe couberam.
Matar sua versão antiga vai te doer e te transformar de uma forma que não será possível voltar a ser como antes. Você passará por uma tempestade. Poucos entenderão seu silêncio, sua inquietação por ser feliz e a luz que você vai irradiar quando se amar. Mas, quando enfim se erguer, perceberá: não dá para ficar um único dia sem saber se amar.
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