Mil rostos do tempo
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| foto: oticacotidiana - feito com IA |
Sempre tive uma relação desajeitada com o tempo, com doses
de desconfiança. Não por mágoas ou ressentimentos, mas por essa frieza que ele
carrega. O tempo não se importa com nada do que somos. Isso toca em mim em um
lugar de impotência, principalmente por sentir na pele o passar dele,
indiferente às nossas dores e alegrias, a ponto de toda uma existência ser como
uma poeira facilmente soprada pelo vento. E essa é a natureza que me incomoda.
Costumo sentir o tempo como uma força apática que nos
arrasta: às vezes devagar, às vezes com pressa, para lugares que nunca
planejamos visitar. E, no meio disso tudo, ele não demonstra nenhuma emoção.
Ele só vai. Segue. Impassível.
Mas, nos últimos dias, venho olhando para as mil faces do
tempo com um pouco mais de generosidade. Porque, apesar da frieza, ele também
tem um rosto que traz algumas benesses. Uma delas, talvez a mais bonita, é a de
nos permitir deixar certas coisas e pessoas no passado. Não só feridas, mas
também alegrias que passam e deixam de ter brilho.
O tempo apaga marcas no coração, enquanto deixa outras no
corpo. As dores que pareciam permanentes, com o passar dos dias, perdem a
nitidez. São como borrões em uma folha de papel reaproveitada. As lembranças
que insistiam em doer começam a se dissolver, feito areia escorrendo pelos
dedos. A gente tenta segurar, tenta manter, mas chega uma hora em que
simplesmente não dá mais. Elas se esvaem, passam, se perdem entre tantas outras
coisas. E, de repente, aquilo que antes pesava já não tem mais poder – porque
perdeu o sentido e a forma original.
É uma sensação libertadora olhar para trás e perceber:
"Eu deixei lá. Não preciso mais voltar". E é nesse momento que a
gente entende que o tempo também cura. Ele nos arranca de lugares de sofrimento
– muitas vezes de forma abrupta, nos assustando e até nos fazendo perder a fé
em nós mesmos – e nos oferece, ainda que devagar, um espaço de paz.
No fundo, talvez sejamos mesmo como uma beira de praia:
esperando as ondas chegarem, baterem, se recolherem e levarem um pedacinho
nosso – da nossa juventude e da esperança de enxergar e sentir o mundo –, mas
também levando embora o que não precisa mais ficar. E assim seguimos, mais fortes
do que acreditamos ser, com mais dúvidas do que ousamos admitir.
Pensando em tudo isso, intuí: que maravilha, no final das
contas, é esse tal de tempo, né? Acho que aceito isso melhor agora. Ele passa
por nós, e deixamos nele pedaços que nos ajudam a seguir mais leves.
Lembranças, pessoas, medos, histórias sem desfecho e finais dignos de uma não
lembrança. Sem os pedaços que ficam no tempo, podemos – talvez, só talvez – ser
mais felizes.
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