Quando o cometa volta?

| foto: óticacotidiana - feito com IA


Você apareceu como um cometa cortando o céu. Sua presença hipnotizava, suas palavras sempre certeiras pareciam confortar até as minhas dores mais profundas. Às vezes, sua empolgação cortava até as minhas falas – palavras necessárias, assertivas e fortes escapuliam dos seus lábios, como se você carregasse o segredo do universo na ponta da língua. Nas noites desafiadoras, quando tudo parecia desmoronar, você surgia com aquele brilho intenso e transitório. Sua presença trazia a sensação de que tudo ficaria bem. Um verdadeiro herói dos momentos ruins. Um amigo? Meu amigo?

Contudo, como todo cometa, você também desaparecia. Há algo fascinante no céu quando olhamos à noite. Algumas estrelas ficam ali por anos, outras desaparecem em instantes. Talvez o céu seja um espelho infinito para ilustrar o que eu sentia dentro de mim quando pensava em você.

Quando o caos cedeu lugar à calmaria e as coisas começaram a melhorar, o seu silêncio se tornou ensurdecedor, uma terceira pessoa entre nós. No dia em que a promoção no trabalho chegou, quando um novo amor arrancou sorrisos desajeitados de mim, ou até quando desafinei cantando no chuveiro… você não estava lá. Quando, finalmente, aceitei que algumas dores não valiam mais o esforço, “tudo passa, mesmo a gente não querendo desapegar”, você continuava ausente. Agora que minha vida irradiava luz, a luz do amor próprio, parecia que você não tinha mais motivos para voltar.

Era desconcertante. A tela do celular congelava em expectativas frustradas. Nada de mensagens. Nem mesmo um simples "Parabéns!", um like ou "Eu sabia que você conseguiria", "Eu sempre torci por você". Ligações? Uma quimera. O vazio gritava mais alto do que qualquer palavra que ousasse sair da garganta dos timbres mais altos. Era como se a minha felicidade – ou a simples ideia de ela existir – criasse um deserto ao redor, um terreno árido que você não ousava atravessar.

"Talvez seja o dia a dia corrido", pensei, otimista. Ou seria apenas ingenuidade, a velha mania de não enxergar as coisas que estão postas? "Todos estão sempre ocupados, né? Quem sabe você não goste de celebrações, de grandes notícias?" Ainda assim, uma sombra de vergonha crescia dentro de mim buscando entender o que era a ausência, até que, num só golpe, caía num abismo tirando toda a beleza do momento de felicidade: "Grande coisa o que eu conquistei… Qualquer pessoa conseguiria isso, qualquer um faria até melhor, nem é algo tão relevante assim... certo? Quem se importa?".

Todas as vezes que caía nesse abismo de invalidação, algo dentro de mim mudava um pouco mais, me fazia perder um pouco da esperança nas relações e eu temia que isso me afetasse definitivamente. Minhas conquistas, enquanto perdiam o brilho e se escondiam atrás de desculpas ou limitações tentando entender seu silêncio, eram celebradas por outros, outros que nunca estiveram aqui. O que antes parecia inabalável entre nós foi engolido pelo seu silêncio. Cada ausência sua, cada coincidência acumulada, parecia um cesto de roupa suja que eu nunca teria disposição para lavar. E aprendi na solidão que questionar aquele vazio só me afundaria mais.

Com o tempo, a clareza veio – um golpe lento e doloroso. Você, o cometa, só sabia ser o herói das tempestades. Sua presença dependia da minha vulnerabilidade, da minha necessidade de ser resgatado. Quando não havia mais dor para curar, nem lágrimas para enxugar, você simplesmente não sabia como existir. Criava, talvez, mil e uma teorias para justificar o que você não ousa confrontar comigo e nem consigo mesmo. 

Era curioso, no entanto, perceber que você continuava lá, à distância. Uma estrela que nunca apagava, mas também nunca se aproximava. Observava meus passos, minhas postagens, mas sem dizer uma palavra. Talvez fosse a sua dor. Talvez a simples ideia de minha felicidade refletisse algo que você não conseguia encarar. Afinal, pode ser mais fácil estender a mão do que cumprimentar quem está de pé.

Foi nesse momento que algo dentro de mim mudou de verdade. Percebi que, para muitas pessoas, a vulnerabilidade, a servidão, a baixa autoestima e a certeza de que sempre me autossabotarei eram os únicos elos que as mantém por perto. Que existem aqueles que se alimentam das dores dos outros porque, assim, não precisam encarar as suas próprias.

| foto: oticacotidiana - feito com IA


E então veio a decisão: era hora de seguir sozinho.

No começo, parecia estranho. A solidão tinha um peso, envolvia me amar mais, me aceitar como sou. Algo distante, devido a toda uma existência baseada em submissão, anulação e silenciamentos. Contudo, também tinha beleza e leveza, algo próximo de reaprender a andar tendo andado uma vida inteira errado. Um processo bonito, único, temperado por lágrimas e momentos de apreciar a própria companhia. Pouco a pouco, no silêncio da caminhada, descobri o que sempre esteve lá: a força para ser como sou. Não era mais preciso esperar pelo cometa, nem depender da luz dos outros para iluminar o meu caminho. O brilho que eu buscava sempre esteve dentro de mim.

Isso não significa que ficarei sozinho para sempre, que eu não deva buscar amigos e companheiros de jornada. Pelo contrário, sei que, em algum momento, encontrarei pessoas que não apenas celebrarão minhas vitórias, mas também farão delas motivos para brindar. Pessoas que não desaparecem ao primeiro arco-íris. Pessoas que não têm medo da felicidade do outro.

Porque, assim como o sol nasce todos os dias, a alegria – genuína e plena – nunca pede licença para preencher o rosto de alguém. E não há nada mais lindo dessa vida do que compartilhar um olhar de alegria com quem quer estar alegre conosco.

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