Preâmbulo*

Começos e recomeços na história da vida real

Bruno Bispo*
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| foto: oticacotidiana

Eu não poderia retornar deste longo hiato sem uma mínima explicação. Seria como fingir que nada ou pouco aconteceu, o que nem de longe é a realidade. A sucessão de fatos, sentimentos e emoções dos últimos meses, ou melhor, do último ano, ou até um pouco mais – o tempo físico, às vezes, embaralha-se às memórias –, parece ter saído do roteiro de um filme dramalhão ou de uma novela do João Emanuel Carneiro.

Aqui vai, então, um preâmbulo: no início do ano passado, coloquei-me diante de uma encruzilhada de possibilidades de trabalho/estudo, que necessariamente significaria um redirecionamento na vida, inclusive incluindo mudar de cidade. Tomei uma decisão eminentemente racional, mas à qual me apliquei inteiramente. Por mais difícil que fosse o processo, eu queria muito que desse certo.

E adivinha? Deu errado. Muito errado. E isso custou a minha saúde. Infelizmente, violência institucional, assédio, racismo, sobrecarga de trabalho e raso academicismo são bastante comuns e até naturalizados no meio médico, especialmente na Residência Médica. E, ainda, muitas vezes, travestidos de filantropia, com um viés religioso que, no meu caso, só me distanciava mais daquele ambiente. A palavra de ordem é suportar o processo e chegar ao final, pouco importa se inteiro ou em frangalhos. Eu não, porém. Eu estava paralisado e fiquei pelo caminho. Era hora de me recolher e me recuperar.

De lá para cá, a vida tem sido uma verdadeira montanha-russa. Perdi mais fios de cabelo do que consigo disfarçar com cortes e penteados; e também deixei pelo caminho esperança, alguns sonhos e, principalmente, boa parte da certeza de que sou inteligente, seguro, bem-sucedido e de que faço boas escolhas. Agora, já resta pouco do brilho jovial que trazia no olhar.

Por outro lado, conquistei novos horizontes: viajei a três países, me dediquei a um novo hobby (e estou ficando bom nisso!), estou retomando o hábito da leitura (um amigo de infância do qual me separei durante a pandemia) e estou prestes a ingressar no serviço público (após um concurso de tirar o fôlego – literalmente).

O maior êxito, entretanto, ainda não (d)escrevi, e não sei se já o realizei por inteiro. Eu conquistei a mim. Por inteiro. Com todas as minhas limitações e falhas, que insisto em conhecer mais, paulatinamente; e com as potencialidades e virtudes que me trouxeram até este ponto.

Neste último ponto, talvez tenha sido, na verdade, pura teimosia. Entesei em não aceitar me dobrar ou diminuir para pertencer em ambientes aos quais jamais caberia, tampouco resignei-me a ser profundamente infeliz, ainda que por prazo determinado, sob a promessa de logros futuros. Resisti a sucumbir às escolhas óbvias, tradicionais e aparentemente certeiras e ainda resisto a interpretar o suposto fracasso como um genuíno ato de coragem.

Tenho aprendido, sem nenhum heroísmo, a ser fiel a princípios muito íntimos e muito simples, como este: eu me recuso a ser infeliz. A minha felicidade é uma dívida ancestral e inegociável. É claro que a trajetória da vida real é não-linear, o que requer respeito e paciência com a sua própria história, que é escrita e reescrita quase que simultaneamente, com começos e recomeços. Dito isto, tenho menos a concluir e muito ainda a iniciar. Afinal, este é apenas um preâmbulo.


*Bruno Bispo
Preto, baiano, filho de classe trabalhadora. Amante de livros, cerveja e sorrisos.
Médico, 'escrevedor', pagodeiro e tantos outros.

 

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