Conversa com Deus

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Sempre tive medo de morrer e a causa da morte ser a infelicidade. Não, não é o sentido metafórico de uma morte não letal. Mas de realmente sentir no meu íntimo a tristeza capaz de ceifar um por um dos meus órgãos e, enfim, apagar a minha energia vital com um sopro. Imaginava o quão constrangedor seria chegar até a fila do check-in do paraíso e lidar com o ser que faz a conferência dos recém-chegados e ele me dizer: tão jovem... morreu de infelicidade, cara, jura?. Mais apavorante ainda, seria o encontro com Deus, ou Criador, Energia que cria tudo e nos cria (o nome você escolhe).

Pois o encontro aconteceu, provavelmente morri. Sem check-ins e interrogatórios do tipo, digamos que tive uma conversa direta e breve com Ele:

- Bom, parece o fim chegou para mim e que estou aqui... O que rolou?

- Muita coisa e nada. Oh, meu filho, lhe dei tantas oportunidades para ser feliz e você passou tão perto e longe delas...

- Não consegui enxergar, não consegui vivê-las, acontece...

- A dor e o fardo que sentia no coração eram um dos maiores sinais de que as coisas não estavam bem. Você deveria ter prestado mais atenção nos sinais, eram todos meus.

- Ah, mas o Sr. também não me ajudou muito, poderia ter sido mais claro, não? Eu estava imerso a tudo, sentindo na pele a existência e sentimentos. É lógico que não poderia conseguir ver mesmo. Foi arriscado de sua parte, não acha? Olha no que deu!

- Entendo a mania que vocês têm de me culpar ou achar algum culpado para as coisas que vocês não conseguem viver. No entanto, vou insistir: acho que faltou olhar para os sinais. Entenda: o que mais poderia ser forte do que as dores que sente no próprio coração? Na dor que lhe paralisava, angustiava e te jogava em direção a um lugar hostil, sem luz e cheio de sentimentos que não lhe davam esperança e alegria para nada?

- Me desculpe...

- Ah não, me poupe. Pera lá. Não é a questão de te desculpar ou não, mas de você se perdoar, aprender a se escutar daqui para frente. Ouça: como pode imaginar, tenho muitas coisas para fazer, mas estou sempre ao seu lado e minha comunicação será pelo seu íntimo, em outras palavras, o seu coração. Apelidaram isso de ‘intuição’, humanos são bons em apelidar as comunicações que estabeleço com eles... Caso é, que você precisa estar aberto para ela. Veja seu caso, não precisava nem acreditar em mim para as coisas acontecerem, mas sim de acreditar em si, no que sentia. Você bem sabe que não era pouco.

- Meu erro foi não aceitar o que estava posto na minha frente e que me gerava incômodo. Em me deixar seguir por caminhos que não eram meus.

- Optar por caminhos que lhe indicam é sempre a saída mais fácil, mas não necessariamente será a saída que vai lhe fazer ter paz para existir ou ser feliz. Veja só, você está aqui agora como consequência disso mesmo. Quando se está perdido, qualquer caminho parece uma rota e é justamente nessa brecha que os desvios acontecem. Você começa a aceitar lugares, que tipicamente não eram nem para ousar suportar eles serem capazes de se materializarem. Com o tempo, vai se diminuindo, se limitando, morrendo aos poucos. Sendo dominado pela rotina, cansaço e pelos sonhos e desejos dos outros. O tempo é seu maior algoz, porque ele passa com indiferença, independentemente de estar ou não seguindo o seu roteiro em direção ao que vai te fazer feliz. E, no fim, o seu tempo acaba e você para aqui e se pergunta como não foi capaz de ver o que estava posto. 

- É...mas...

- Escute, meu filho, já plantou alguma coisa?

- Que pergunta, o Sr. sabe e via tudo! Claro que sim, eu era agricultor.

- Pois então. O que era preciso fazer quando uma muda crescia?

- Dar mais espaço, mudar ela de caco, plantá-la em um lugar maior em que ela pudesse receber mais luz e ter mais espaço para que as raízes e folhas pudessem crescer, certo?

- É exatamente isso. Quantas vezes se silenciou, se atrofiou tentando caber em cacos que já eram pequenos para você? Aquele emprego que te fazia infeliz, aquele relacionamento falido disfarçado de confortável, mas que custava caro para seu emocional; aquela vida sem saber o que era ser como é, sem amor próprio; a sua casa em um bairro que você não se conectava com nada nem ninguém, mas mantinha tudo isso para ostentar. O porquê você sabe: por ter medo de mudar de caco, ou melhor dizendo, de ser mais você do que os outros.

- Eu... realmente não sei como pude estar tão cego.

- É sobre isso. É sobre se limitar e impedir o próprio crescimento seja por desleixo, comodismo ou medo. Tudo isso doía no seu coração, e como lhe doía, vi e senti com você. O incômodo era o sinal que precisava para mudar de caco, deixar-se florescer, crescer e se transformar. Com o tempo, de tanto ficar ali, sua energia vital foi se esgotando. Àquele caco pequeno, transitório, por ter se tornado o seu definitivo e completamente desalinhado do seu tempo, te fez estar aqui agora. A energia acaba mais rápido quando ela não pode se renovar...

- Há possibilidades de recomeçar?

- A vida, mesmo no término dela, é sempre um constante recomeço. Mas daqui em diante vai precisar levar esse aprendizado e não mais se permitir morrer por causa do silenciamento das suas dores. Vou lhe dar a chance de viver outra vez. Você vai aproveitar essa oportunidade ou vai repetir os mesmos erros?

 


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