Há perigo na outra rua?

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Em 1999, eu andava de bicicleta até o final da rua e acreditava que o mundo era aquele pedaço de terra e que podia passear por ele sem riscos ou medos. Dia após dia, pedalada após pedalada, descobri que no final da minha rua existia outra. Mas ninguém havia me dito, então estaria eu pronto para atravessar o fim da linha e encarar um novo espaço?

Não pensei muito sobre estar pronto ou não. Agi no impulso, sem medo do novo. Atravessei a rua seguinte e, por temer olhares e censuras, segui adiante sem olhar para atrás. Pedalei mais rápido do que poderia. O suor escorria pelo meu rosto, o sol iluminava o chão de pedras e meu corpo pulava para cima e para baixo, consequência dos buracos que faziam parte desse novo caminho. Contudo, era radiante. O movimento constante e novo me fazia sentir um tipo de liberdade e curiosidade que só entenderia a completude dela anos depois. O que estaria por vir? O que há aqui nesse lugar que ninguém nunca me trouxe e que agora vou descobrir sozinho?

Cheguei. Cheguei em um lugar novo. A minha curiosidade me fez encontrar algo completamente diferente do que vinha imaginando e conhecia do mundo até então. Seria um outro? Joguei a bicicleta para o lado. Tirei os meus chinelos e pus os pés no chão.
Conexão. A areia estava aquecida e eu profundamente tocado porque aquilo tudo estava me transformando. Descobri algo novo e o sentimento era bom.

Em 2009, passei a temer descobrir ruas novas. “
Podem lhe roubar, há perigo lá”, eles me diziam. Outros também contavam que todas as ruas entorno já estavam descobertas, nomeadas e devidamente ocupadas. Havia em mim o sentimento de querer encontrar um pedaço de mundo para chamar de meu. Um pedaço para descobrir e me sentir conectado como antes. No entanto, eles eram diretos: para de sonhar, não existe mais nada no mundo para descobrir, só te resta se encaixar.

Em que momento percebemos a desconexão?
Em que momento tememos descobrir o novo?
O medo e a frustração do outro podem nos limitar
por fim em sonhos que sequer puderam existir.
Vinicius Gericó

Em que momento percebemos a desconexão? Em que momento tememos descobrir o novo? O medo e a frustração do outro pode nos limitar, por fim a sonhos que sequer puderam existir. Você sabe que ainda tem esperança quando o sentimento de querer encontrar um pedaço de mundo para chamar de seu ainda existe.

Existia o perigo do tal roubo ou eu estava sendo roubado sem perceber? A lembrança daquele sentimento de liberdade e curiosidade começava a dar sinais de que precisava retornar. Mas eles se perderam como a minha antiga bicicleta. Quem o fez? Em que momento da vida deixamos de perceber que não estamos mais atrás de outras ruas? Em que momento percebemos que a bicicleta não está mais na garagem, que ela foi roubada por alguém? Em que momento tememos descobrir o novo? Eles disseram, eles limitaram. Eu ouvi e aceitei. Então o problema era meu?

Você sabe que ainda tem esperança
quando o sentimento de querer
encontrar um pedaço no mundo
para chamar de seu ainda existe
Vinicius Gericó

Volta e meia me pergunto quanto dos nossos medos são nossos e quantos são meramente impostos pelo que vem da frustação do outro? Eu quero pedalar até a rua vizinha que não conheço, mesmo que digam que não existe nada novo. Quem sabe eu descubra algo que para mim pode ser e com isso mude o mundo? Não o de todos, mas ao menos o meu mundo.


EM ALTA...