Mar negro - Parte IV
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Sinopse: Mar Negro é a sequência de experiências multidimensionais narradas em primeira e terceira pessoa por um personagem que é capturado pelo desconhecido e levado para conhecer e viver outras dimensões do universo. A sua concepção humana de vida, morte, existência e não existência o faz sentir dificuldades em acessar e compreender o desconhecido e os mistérios do Mar Negro. A cada ida, ele descobre algo novo, ele descobre como é existir no meio do cosmo.
Gênero: ficção
Leia também:
Parte I
Parte II
Parte III
IV
Ele viu um feixe de luz branca, pálida e brilhosa em meio ao que parecia colinas alaranjadas. A luz tinha energia própria, aquecia o seu ser e era um contraste perto da frieza do universo. Nesse fragmento de energia ele viu. Viu todas as espécies vivas na Terra. Viu todos os animais, plantas, bactérias, tudo. Isso lhe parecia racionalmente impossível, mas era real. Era excitante. Cada um deles vistos como um pingo de luz, que juntos se transformavam em uma maior que se afrontava diante de TudoQueEleÉ e o aquecia.
No conjunto, observo com mais atenção a uma mulher em meio aos seres terrestre. Ela estava com um lenço na cabeça. Não resisto e fixo meus olhos nela e sou hipnotizado. Tão cintilantes, densos e estáticos, ela me fisga. Meu Deus, me capturou! Num único segundo todas as espécies e a luz se afunilaram nela e ela se tornou TudoQueExiste. Agora estamos frente a frente e ouço a sua possível voz emanando em mim.
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– O que procura? – perguntou a moça de lenço na cabeça.
– Eu não sei, não sei como cheguei até aqui. Acho que estou meio perdido. – respondeu-lhe.
– Não se assuste. Você não está em perigo aqui. Todos nós somos parte da mesma energia e me manifesto a partir de você, com você.
– Então você está querendo dizer que sem mim, você não existe?
A moça riu, mas não era um riso de deboche. Era um riso de contemplação a inocência que se apresentava diante de si. Por um momento parecia encantada pelo rapaz.
– Sim e não. Você é a mesma coisa que eu, somos parte da mesma coisa de maneira que se você deixar de existir, deixarei de existir, ou pelo menos a parte que lhe corresponde em mim deixará de existir. Mas nada disso é possível, porque somos seres infinitos, eternos e nosso sopro vital nunca se finda.
- Para que lhe serve o medo? - Eu não sei, apenas sinto.
Talvez para que nós tenhamos disciplina.
Isso! Para que tenhamos limites.
Isso! Para que tenhamos limites.
Mar Negro
Entre todas as espécies imersas na luz, ele agora foca num grilo. Sempre tivera medo dele e de qualquer inseto, principalmente os que voam, porque, segundo ele, eles são os que representam a ameaça real por serem livres e desgovernados.
A luz se afunilou e se converteu em um grilo, tal como aconteceu com a mulher alguns instantes antes. O homem gritou. O som personificava o seu desespero. Ele correu de um lado para o outro e a ação parecera inútil, porque não existia para onde ir na imensidão negra. Só havia um lugar para permanecer. Durante a ação o grilo não se moveu. Seguia encarando o nada, talvez com o mesmo olhar da moça.
– Eu não sei, apenas sinto. Talvez para que nós tenhamos disciplina, limites. Isso! Para que tenhamos limites.
– Sua espécie quem criou o limite. Humanos têm medo do que eles mesmos são capazes de fazer. Mas é perda de tempo insistir nisso. Parecem se sentir melhor quando estão com medo, quando conseguem controlar o outro a partir dele. E também é a justificativa perfeita para tudo àquilo que ainda não conseguiram alcançar. Quem sabe seja a melhor das invenções, justamente por funcionar como a desculpa perfeita para iniciar conflitos, destruir, construir, expandir e retrair. Que grande confusão. É tudo a mesma coisa. Bichos confusos... E você, quer um pouco mais de medo para se esquivar da incompreensão de onde está? Lhe dou.
O grilo deu um pulo e grudou no corpo do rapaz. Ele gritou novamente e o grito lhe fora tão agudo que o preto do universo foi capaz de criar um eco longo e perturbador. Quanto tempo terrestre esse eco durou? Décadas ou segundos? O que ele foi capaz de abalar?
– Por favor, não quero ter medo. Não aqui, não agora. Eu não quero me aproximar e nem expandir coisa alguma, tudo que quero é voltar para tudo que me é conhecido. Você não entende, não pode entender. É um inseto estúpido. Tenho mais do que o dobro do seu tamanho. Você é um bichinho de nada e poderia lhe esmagar facilmente. – Sorri num riso psicótico em resposta e gira a cabeça para todos os lados repetidamente – Não o faço apenas por compaixão. Compaixão que lhe é restrita aparentemente por me atacar.
– Xiu. Não o fiz por medo. Quis testar o tamanho da sua arrogância. Se eu fosse maior, você teria coragem de lutar contra mim? Seria mais justo?
O grilo começou a crescer para todos lados em cima do corpo do homem. A ação o fez cambalear e cair deitado. O bicho ficou ali em cima do seu corpo por instantes. Nesse lugar sem tempo, quanto poderia ter passado na terra? Fora tempo suficiente para sentir o cheiro do inseto, para se concentrar nos detalhes do seu corpo, na pele esverdeada brilhante e texturizada. Podia sentir o gosto se quisesse. Poderia mastigar e sua língua conhecer o azedo do corpo do inseto. A proximidade e sentidos exageradamente aguçados o assustava ainda mais.
– Por favor, vá embora. Não posso lhe vencer. Eu renuncio a qualquer coisa. É isso que você quer? Então tudo bem! Tudo bem, tudo bem. Me deixa. Sai daqui agora. Sai!
O grilo riu e o riso, diferentemente do da mulher de lenço, transmitia a maldade lasciva e comum da humanidade. Ele debochava de todo sentimento e medo do rapaz. A ação o deixou enfurecido o bastante para empurrar o bicho para longe. “Sai!”. Ele despareceu, mas a voz ecoou em sua mente mesmo imerso ao pretume do universo:
– Eu voltarei porque estou em você e sou parte de você. Somos a mesma coisa. Você não pode me destruir, mas talvez eu possa. Fico empolgado por saber que posso. Estou no controle, você não.