Coleção de 'matches'
Demos match e logo o hálito quente é borrifado em meu rosto enquanto os meus cabelos longos são tocados com precisão. Antes de tudo acontecer, somos objetivos e pouco entramos na vida pessoal. Quem sou eu e quem é você pouco importa. A superficialidade é o cobertor que nos garante a segurança. Dez, vinte ou trinta minutos? Pouco importa quanto tempo durou. Em um dado momento meus olhos me encaram no espelho do quarto e revelam a nudez e confusão.
Caio em mim outra vez e interrompo o cochilo. Essa é deixa perfeita para abandonar o quarto impessoal em que estou. Em meu corpo, há sinais de que tive momentos de intimidade com outra pessoa. Ainda em meio a sujeira, pressinto que esse incômodo físico irá ser convertido em uma sensação ou sentimento. Arrependimento. É provável que ele permaneça mesmo após um banho, dois ou três. Talvez agora esteja a ponto de me aprofundar na razão de ter feito tudo que fiz. Por que aceitei vir até aqui? Não me bastava só e então segui meu instinto de defesa? Grande coisa.
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É prático. Demos match e eu e você procurávamos um orgasmo imediato. Recebemos, trocamos. Sabíamos desde o início que seria assim. Nada duraria. É mais uma relação que não se forma, tampouco vinga e se completa, porque bebemos da secura de não compreender quem somos e o que podemos oferecer para o outro. Sequer compreendemos o que o outro é capaz de conceber e assimilar de nós.
Minha geração trata com normalidade esses encontros casuais e sei que são. Não há nada de errado neles. Época da liberdade sexual e quebra dos tabus, maneiro, sou cool e descolado. Que tudo e todos possam se pegar à vontade. Mas tudo é tão estranho para mim: trocar fotos, cuja maioria delas são selfies ou de partes do corpo, para receber o sinal verde para se ver pessoalmente. Com um desconhecido o estranhamento em mim é constante, principalmente depois de cada saída. Mesmo com eles saindo de minha vida facilmente, eles permanecem no sentimento de vazio que só se alastra em mim.
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Visto-me e começo a ir embora sem anunciar a partida. Sei que nos próximos dias em meu telefone não haverá qualquer outro sinal de que um dia nos conectamos e estivemos juntos, mesmo que por breves e rasos minutos. Esse encontro provavelmente nunca terá acontecido para ele e, em um dado momento, pode ser até que outro match aconteça. Um segundo, então? Mais profundo? Temo, tremo e respiro fundo.
Não há dia seguinte. Ele não tem meu número ou endereço e nem faz questão de tê-los. Ele passa a mão na barba, enquanto vou em frente para finalmente abandonar o cômodo. Fecho o zíper e vou embora. Não apago a luz porque tudo já é escuro. Gostaria de abandonar esse mundo conhecido. Ir para uma outra cidade ou país e recomeçar. Quem sabe agora dê certo. Isso! Eu só preciso que a vida dê certo.
Sigo pelas calçadas digerindo mais uma noite sem sentido que protagonizo atrás de qualquer resquício de afetividade. Abro o aplicativo e apago a conversa: agora, de fato, nunca nos conhecemos. Começo a deslizar. Não me importo com a exclusão e nem ele se importará. Somos maduros, estávamos conversados mesmo sem conversarmos.
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No entanto, no fundo sei que não vim atrás só do ato. Gostaria de algo além, algo bem diferente dos instintos carnais e dos impulsos físicos de quando estamos entediados. Buscava um sentimento capaz de liquidar de vez a constante e temida solidão. Que engano, foi só um match cuja regra implícita era a de não se apegar.