Ele (uma história imprevisível)


ESTOU SENTADO ASSISTINDO televisão e de frente para o computador, com inúmeras abas do navegador abertas. De repente, Ele surge em minha mente. Os seus traços despertam minha atenção. É um rapaz na casa dos vinte anos. Têm cabelos curtos e veste uma camisa branca, calça jeans e tênis despojados. Seu olhar opaco é guiado pelas luzes dos postes que se lançam pela janela do ônibus. Ele boceja continuamente, provavelmente está cansado do dia que tivera.

Ele está sentado e com um livro de cálculos no colo. Suas mãos deslizam pela capa. Suas unhas são pequenas e seus dedos finos. Os pensamentos dele se movimentam com o andar do carro, que trazem de volta detalhes do seu dia. O rapaz pensa ainda no que precisa fazer ao chegar em sua casa. Notas mentais são criadas e desfeitas o tempo inteiro. Onde ele mora mesmo?

Suspira, respira e observa o que lhe chega pelos vidros. Há muito trabalho a fazer e ele lamenta por isso, porque o seu corpo deseja apenas dormir. Atrás dele e ao redor, há pessoas que ele não se dá ao trabalho de observar e nem de registrar, porque imagina que provavelmente não as verá nunca mais na vida. É assim todos os dias.

Chega a hora de descer. Ele sai do ônibus na vigésima parada do itinerário. Ele sorri para ele mesmo, tal riso está embutido de cansaço e satisfação por finalmente a viagem ter terminado. As portas se fecham novamente e ele sequer percebe a partida do veículo pela suas costas. A noite é de lua crescente e o clima está agradável, é outono. O jovem continua a caminhar. Passa as mãos nos cabelos, abaixa e levanta a cabeça sistematicamente.

Com o movimento dos seus olhos, Ele fita em uma nuvem, para uma possibilidade de chuva. Ele deseja escapar dela. “Tudo bem. Você pode vir, mas eu quero estar em casa na hora” - diz. O jovem não sabe o quê irá acontecer nas próximas horas, no máximo estima conseguir fazer o planejado durante o caminho de volta. Contudo, eu posso mudar o seu destino com algumas palavras, já que Ele está na minha mente e agora na de vocês.

desligo a televisão, porque a história dele começa a me interessar mais. estou em completo estado de obsessão. as abas são completamente ignoradas. sigo até a mesa e pego um papel qualquer e começo a desenhar enquanto penso nele. em meio as imagens mentais, viro para o lado e capturo o momento em que uma aranha luta pela vida na própria teia. eu a destruí por puro instinto e tédio. o que há de errado comigo? decido que devo esquecer de mim por um tempo e me entrego de volta a Ele e a sua história.

digamos que ao descer do ônibus ele tropece e caia no meio-fio. há poucas pessoas nas ruas e elas irão seguir suas vidas com indiferença, ao ver o jovem na calçada agonizando de dor. ou, ele pode achar um bilhete no chão e catá-lo por obra do acaso. ao abrir, pode haver um universo completamente novo. opto pela segunda opção.

segue.

O nosso personagem desceu do ônibus e, contrariando os seus planos, achou um bilhete e abriu. Seus olhos demonstravam surpresa. Por um momento, pensou em devolvê-lo ao chão. Porém, a sua vida andara tão previsível, que apostar em um bilhete, lhe pareceu à salvação. De pé, na rua pouco movimentada, ele leu e releu o papel algumas vezes. Coçou a cabeça e a barba fina, espremeu os olhos e perdeu-se por alguns instantes na informação. Decidiu ir em frente. Arrumou os cabelos e fechou o bilhete. A sua vida irá mudar a partir de agora, ele só não tem noção de como, mas eu sim.

Ps: Este é um conto e narrativa experimental, nas próximas semanas poderão vir novos episódios. 




 

  




EM ALTA...