À deriva
A expectativa nunca morre; não importa o que você faça contra ela, nunca
Uma faísca de expectativas travestiu-se de
realidade para transitar pelas relações e sentimentos dum espírito à deriva. O
seu desejo era experimentar algo que nunca poderia e poderá ter. Sua missão
baseava-se necessariamente em tomar o lugar dos outros sentimentos. Seu sentido
existencial era a exclusão de algo do outro, para tomar posse e encarar como
sendo seu.
O disfarce era bom.
Simulou como um metamorfo. Verdadeiramente tudo pareceu real. Ninguém ousou
duvidar do que se materializava e parecia racional. O espírito nem sequer notou estar
sendo manipulado. Mas o real é o menos amigo de todos, porque ele cobra por
tudo que lhe é direito. Nada é gratuito. O saldo devedor das consequências pode
ser fatal.
A expectativa mudou os movimentos das ordens, antes sólidas, e até mesmo as
desacreditadas. Sacudiu todos em sua volta e prometeu-lhes o que mais
desejavam, com a condicional de saírem da própria e sufocante zona de
conforto e proteção. Depois de tudo parecer real o suficiente, para as dúvidas cessassem,
partiu.
Para quem sentiu e a deixou entrar, apenas a dor: a que mais demora evaporar. A
expectativa faz questão de por você nos piores lugares do mundo, depois de sua
partida, porque te faz acreditar que estava em um dos melhores. Sem qualquer
remorso, te obriga a encarar a profundidade dos seus olhos e do próprio rosto,
mesmo distante de um espelho.
Depois de tudo, toma consciência do quão destrutivo foi o rastro da
expectativa. Percebe fisicamente, através dos vários estímulos, a força da sua
passagem. Constata silenciosamente, em meio à histeria sentimental, que tudo se
resume a dor que trouxe tudo e nada. É a dor do nada, que acreditou ser tudo. A
dor de que cada pedacinho isolado poderia gerar algo grande. A dor da crença em
algo que verdadeiramente assumiu forma de puro.
Tudo se desmancha no
ar, tudo escorrega pelos dedos. Assim como a água evapora e deixa marcas no
chão, como veias, por onde permaneceu. A expectativa te venceu numa batalha, porque
necessariamente te incentivou a com ela conviver. Venceu, porque fez você
acreditar não existir o lado oposto ao usado para seduzir.
Agora será vencido
também pelo próprio corpo, que pede descanso. Pedirá no mínimo
recolhimento. Passará dias como um daltônico. Novamente o seu rosto, mesmo desfigurado
para si, será obrigado a se transformar. Um dia qualquer tudo passa, evapora e
nem a lembrança consegue se materializar.
Mas a expectativa nunca morre. Não importa o que você faça contra ela, nunca.
Depois de um tempo, tudo parece à deriva novamente. Enquanto o espírito não
encontra a estabilidade, permanece a deriva. É disso que a expectativa se
aproveita.
Num dia qualquer, a expectativa se
traveste de amor e então... ∞
Profundo.
ResponderExcluirE então... "Tudo se desmancha no ar, tudo escorrega pelos dedos. Assim como a água evapora e deixa marcas no chão, como veias, por onde permaneceu.".
ResponderExcluirComo disse o Rodrigo: "profundo". Profundo mesmo.
Ficarei pensando aqui sobre expectativa que despedaça sonhos e estilhaça sorrisos.
Sacudindo Palavras
Pois é Erica. A expectativa tem um poder imensurável mesmo. Destrói tudo que é abstrato, verdadeiro e até mesmo o real.
ExcluirObrigado pelo comentário.