O que é essa vida boa?


            “Queria viver uma vida boa!” - Não é assim que falamos? Mas o que está associado a este pedido? Antes de ler o texto até o fim, te faço uma pergunta: o que para você é uma vida boa? Pense um pouco e siga com a leitura.

            Às vezes fico extremamente assustado com a maneira que esse mundo tem se organizado de modo silencioso e agressivo. É como se, de repente, toda singularidade humana e de seus respectivos desejos se tornassem um grande bolo homogêneo, no qual, latinhas diferentes abrigam este mesmo conteúdo. Vejo pessoas com desejos que não são seus, com vidas que não são necessariamente suas. O que você faz na sua vida capaz de servir para as gerações seguintes ou até mesmo para você?
Imagine um sujeito que sai de casa todos os dias às 04:30 da manhã, tendo ido dormir às 00:30. O trabalho dele é pesado, ele é infeliz, detesta o que faz, mas precisa de dinheiro. A parte surreal é que todo dia primeiro, troca todo o seu esforço mensal num aparelho de última geração, um plástico brilhante, mesmo tendo um que já atenda as suas reais necessidades. Não satisfeito, troca o resto do seu esforço por uma ou duas camisas de algodão, mas com uma etiqueta raríssima e para poucos. Durante todo o mês se alimenta mal, dorme mal, não consegue manter relacionamentos. Mora em um imóvel minúsculo, que nem sequer consegue exalar a própria poluição. Ah, e adquire também a fobia de sair com estes objetos de status que adquiriu e que faz tanta questão. Com todo este movimento, se ele morrer hoje, ninguém saberá que existiu, as gerações futuras nada terão a receber, e ele será apenas menos um no meio de seis bilhões.

Onde quero chegar? Que às vezes, ou na grande maioria das vezes, resumimos toda a nossa existência singular em conquistas artificiais. Trocamos o que há de mais valioso  -- vida, esforço físico, sentimentos, realização, felicidade -- por objetos que perdem valor numa velocidade assustadora. E então te pergunto agora: o que é essa vida boa que você quer? Se todas as suas respostas são relacionadas ao material, do tipo: quero ter dinheiro para comprar isso, àquilo e mais àquilo. Parabéns, você é um ser vazio, que mais cedo ou mais tarde irá morrer e não terá deixado nada neste planeta, nem relações. Se você acreditar em reencarnação, possivelmente voltará para tentar fazer algo útil.
É surreal a facilidade com que as pessoas -- executivos, celebridades, trabalhadores -- que trocam a sua vida dizem: ‘tenho dinheiro para comprar tudo que eu quero’, e crianças de cinco anos desejam ter este poder, apresentado como fascinante. Desde cedo aprendem que a vida se resume a ter muitas coisas, exibi-las e ser quase nada. Já que o que ela possuir irá significar o que ela é.
Supomos que se você pudesse responder, quando você morrer, o que você levará? O que você deixará? Se a sua busca é sempre baseada nos mesmos princípios é lamentável. Não quero com isso dizer que não precisamos de dinheiro e nem de lutar pela nossa sobrevivência com conforto e dignidade. Infelizmente estamos num sistema no qual o dinheiro assume um poder presente em basicamente todas as relações. No entanto, me refiro à forma que você escolhe levar a sua vida, trocando-a por plásticos, produtos perecíveis, descartáveis e dispensáveis. Apenas ostentando imagens efêmeras. Se você morrer hoje o que terá deixado para sua família, filhos, amigos, se o tempo todo que teve gastou vendendo a sua própria vida a objetos sem valor? Se o tempo todo você trocou as relações, experiências e aprendizado? No final há seres trancafiados em uma única realidade frágil, vivendo como androides em busca de beleza padronizada, vida eterna, objetos materiais para então ter alguma coisa abstrata.
Portanto, pense bem no que você considera como vida boa, pense bem no que você irá deixar quando já não estiver aqui. Veja em quê está relacionado à sua felicidade, tristeza, preocupações, angústias e tudo que rege a sua própria existência. Pelo o quê você está trocando a sua vida?  A resposta pode ser algo vazio, mas nada disso precisa ser definitivo. A nossa existência é tudo que temos, e uma vida boa pode ser muito mais do que a promessa de uma vida boa. Você conhece alguém feliz e realizado apenas com promessas?

# Footnote:

Trocar figurinhas com vocês é o que me mantém até hoje com o blog aberto. 



Comentários

  1. é eu já sigo essa de 'bem material' que é só material a um bom tempo. Acho que sou um dos poucos humanos que gosta de tecnologia e não tem as mais recentes tecnologias em mão, até pq outras pessoas já as tem e falam dela. Eu não tenho que ser o primeiro a falar dela, teno apenas que falar o que acho dela baseado no que vejo, ouço e diz dela, entre outras coisas né...

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  2. Oi Vinicius,

    Tudo bem? Saudades dos seus textos atuais e reais.

    Concordo com o seu ponto de vista, pois já cansei de ver pessoas ganhando um salário-mínimo e comprando um celular de R500,00. Será que existe lógica nesse comportamento de consumo. Grupo, marca, vaidade, etc, que só servem de luz por no momento. Enfim, vejo como se desperdiça o tempo e o melhor de si com o consumismo desnorteado.

    Beijos.

    Lu

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  3. Rafa,

    Não vejo problemas com a tecnologia, só me preocupa como as pessoas lidão com ela e descartam as coisas, trocam suas vidas, por elementos que são ínfimos perto do que podemos ter.
    Nossa relação de comprar tudo (desde o básico até o supérfluo) nada mais é do que a troca de algo muito bom e único (vida) por algo efêmero.

    Agradeço o comentário!

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  4. Luciana,

    Pois é, as pessoas se tornam reféns de um modelo e não conseguem visualizar o seu horizonte de possibilidade e controle da própria vida. Se preocupam mais em ter, do que em viver.

    É lamentável quando paramos para pensar no quão desperdiçamos a nossa própria vida em prol de algo muito pequeno (e muitas vezes, dispensável).

    Agradeço a leitura e comentário!

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  5. Oi Vinicius
    Estava realmente com saudades de vc e de seus escritos prá lá de inteligentes. Muito bom, serviu prá mim esse texto, e vc citou uma criança de 5 anos, meu filho tem cinco anos e me pediu não me lembro o que outro dia, e eu falei prá ele como ele já está consumista, e que é o culpado? Eu e meu marido. Tinha uma música da década de 80, não me lembro a banda que dizia "homem primata, capitalismo selvagem", e é isso mesmo, com a facilidade de carnês a perder de vista, todos estão comprando a vontade, coisas que nem precisam, mas porque "está na moda". Parabéns pelo post.
    Bjos. e um ótimo final de semana.
    http://ashistoriasdeumabipolar.blogspot.com.br/

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  6. Luciana,

    Fico feliz que tenha se identificado com o texto. Realmente precisamos mudar os nossos hábitos por isso é tão necessário perceber pelo que estamos trocando a nossa existência. Se nós trocamos a nossa existência por uma calça, significa que valemos essa calça. É muito pouco, nossa existência é infinitamente maior.

    Agradeço a leitura e comentário!

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Bem-vind@ a Ótica Cotidiana!
Obrigado pela visita e leitura do texto.


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