Os livros de Adam
Quando vivia na
cabana o desejo estranho de Adam era de manter a sua prateleira de livros
sempre ocupada. Um vício fora do comum. Um desejo maior do que a sua própria
compreensão. Desde que percebeu o que são estes livros, não parou de colocá-los
na prateleira. Quando era criança tinha uma coleção de histórias, sentimentos e
lembranças. Ele não se esquecia de absolutamente nada. Memórias.
O mais estranho
no comportamento de Adam era sempre manter tudo ocupado, sem espaços vazios.
Para ele reconhecer e aceitar o vazio, seria um grande problema, por isso
evitava. O vazio o incomodara mais do que qualquer coisa. A verdade é que ele
não sabia conviver consigo por muito tempo. Medo
de introspecção.
Fazia escolhas
sem ler metade do conteúdo. Preocupava-se em manter a prateleira preenchida,
para não ter de encarar àquelas lacunas. Colocava-os em um local de destaque, e
como se pudesse prever alguma coisa, mantinha na ordem do mais atual para o
recente. Muitas vezes o livro não tinha conteúdo, apenas imagens vazias. Adam
era tão ingênuo que preenchia esta prateleira com qualquer tipo livro, não
havia escolhas racionais.
Quando recebeu os
visitantes, perceberam que nas prateleiras havia muitos livros para um único
leitor. Em meio a conversas, recomendaram que deixasse metade de lado.
Questionaram se não seria a hora de esvaziar por completo.
Nenhuma daquelas
palavras ou imagens fazia mais sentido para ele, já estavam absorvidas. O
melhor a fazer seria descartá-los ou passar adiante para pessoas que precisam
daqueles tipos de livro. Há sempre um
leitor pronto.
Adam foi
resistente à ideia. Imaginou pela primeira vez sua prateleira vazia. O que
seria ir dormir encarando o vazio? Imaginou acordar, passar durante o dia. Sentiu
a agonia de quem constata o vazio. Não sabia se tinha forças para deixar esses
livros fora de sua visão e de sua vida. Não
é fácil desprender-se do que se julga necessário.
As palavras tão
conhecidas se repetiam em alguns livros. Adam não precisava de vários livros
com a mesma mensagem, mas de um, que lhe fosse verdadeiramente útil. Resistiu
até o último momento, até que percebeu, num choque de consciência, que o
conhecimento útil que conquistou com estes livros permanecerão mesmo
fisicamente invisíveis.
Olhou a
prateleira mais uma vez, percebeu que estes livros são apenas livros, o
material e palpável de alguma coisa abstrata, de idealizações. Percebeu que
havia coisas demais, conteúdos que nunca precisou. Finalmente resolveu
desfazer-se. Entregou alguns livros ao seu dono real, doou alguns e outros
descartou. Sim, Adam descartou livros.
Mas o desafio de Adam, não era
desfazer-se dos livros, mas dar novas
funções e usos, e deixar que a prateleira tenha espaço para os verdadeiros e
significativos livros de conteúdo nobre. Adam via nos livros, pessoas. Talvez
este seja o motivo para o vício.
legal essa ideia de deixar de lado o que ja tem mto e se abrir pro novo
ResponderExcluirEsse conto revela uma grande verdade, a verdade sobre as pessoas que procuram chegar, mas pelo caminho errado. É tudo um grande engano. Só se encontra um caminho se olharmos com atenção o que se encontra nele, por que tudo são pistas...
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