Você tem vergonha da relação tóxica que viveu?

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Acredito que só vive uma relação tóxica, qualquer uma delas: namoro, amizade ou na família, uma vez na vida. Hum, tá bom. Talvez duas. Melhor dizendo, talvez três, vai... afinal, pode acontecer. Ok, a quantidade nesse momento não importa, porque o ponto realmente relevante é o de que: uma vez que se vive algo desse tipo, é praticamente impossível não reconhecer e querer pular fora logo nos primeiros sinais. Em outras palavras, quando você começa a sofrer e se machucar fortemente na relação que em tese deveria te fazer bem.

O que talvez explique o alarme, a sensação de que algo está errado [TÁ PEGANDO FOGO, BICHO], é que quando olhamos para determinados relacionamentos passados, nos damos conta do quão fomos explorados pelas nossas vulnerabilidades, do quanto fomos expostos e do quanto sofremos. Ao reviver a lembrança dolorosa, realmente parece difícil acreditar que um: aceitamos passar por isso, e dois: aceitaríamos viver esse sentimento outra vez.

Uma coisa que me ajudou a superar uma relação tóxica foi perceber o quanto eu cresci e aprendi a me respeitar. Ao contrário do que se prega de um crescimento pleno e indolor, esse acabou sendo com dores profundas e muito de longe de parecer um processo fácil. Viver uma relação tóxica tocava em questões muito íntimas e sensíveis, que, na época da experiência, sequer vislumbrava saber que as tinha e menos ainda do que elas seriam capazes de fazer comigo.

Quando me dei conta de que estava extremamente machucado e destruído, sem norte para recomeçar, fui empurrado para, de alguma forma, encontrar uma escada para subir e reagir. Dizem que quando estamos nos últimos momentos da vida e lutando contra morte, encontramos o que parece ser uma última dose de adrenalina e força para reagir e tentar sobreviver. É tudo ou nada, agora ou nunca! Digamos que tenha sido algo assim.

As lembranças – ou melhor dizendo, sequelas desse passado tóxico – aparecem vez ou outra quando lembro das coisas que vi e passei. E é aí que talvez entre a parte do aprendizado e respeito falado no início – eles estão longe de qualquer romantismo, por favor – mas, ao mesmo tempo, a contradição. Um lado meu sente vergonha. Vergonha por ter aceitado, me submetido e vivido a relação tóxica nos moldes mais insalubres para qualquer emocional. Outra, sente e busca uma profunda compaixão por tudo isso que passei, porque no fundo, tudo que vivi e fiz foi porque estava tentando ser feliz. E isso está anos-luz de ser a razão de ter vergonha. Tentar ser feliz é nossa essência e um ato de coragem dos mais fortes que poderíamos ter nas relações afetivas. E não, não é exagero. Porque ser feliz toca em tantas aceitações, processos, curas e conquistas emocionais que realmente só o tempo, amadurecimento e compaixão pelas dores vividas são capazes de dar a dimensão do que essa felicidade significa.

Infelizmente acabei me relacionando com pessoas que viram as minhas belezas e vulnerabilidades e quiseram explorá-las em prol das suas próprias questões existenciais não resolvidas. Isto é, pelo coração partido de relações passadas, pelos traumas que passou durante a vida, pelos medos, em suma, por tudo que cada ser humano provavelmente passa tentando existir. Essa nuvem de sentimentos se somam e essa pessoa passa a ser tóxica, justamente por não ter passado por processos de cura que poderiam lhe aliviar o peso de cada uma dessas coisas que viveu. É como acumular venenos e feridas a ponto de elas criarem vida própria e passarem a exalar somente o tóxico.

A atmosfera tóxica que a pessoa traumatizada cria em outra, a vítima, de fato, é como se fosse veneno. Chega ao ponto em que a vítima não se reconhece e nem consegue esperar algo dela mesmo, por passar a viver integralmente no reflexo e sombra dessas dores e pancadas que o outro lhe dá em troca de um possível afeto – ou seja: a pessoa é capaz de explorar a fundo as nossas vulnerabilidades nos prometendo a possível cura de nossos vazios emocionais que são compensados pela falsa ideia de afeto e felicidade na relação. Nisso, nos anulamos e nos culpamos por tudo que sentimos. 

Uma relação tóxica é algo que a gente só pode ousar viver uma única vez – aqui a quantidade realmente importa – porque ela tira tanto da gente e nos deixa tantas marcas que é difícil superá-las de imediato e só. Às vezes o nosso emocional se torna uma terra arrasada, sem qualquer expectativa de recomeçar a confiar em si e muito menos nas outras pessoas. Por isso mesmo, o aprendizado é o que fará a diferença, porque nesse estado de choque e trauma do que viveu, será a hora perfeita para ter compaixão por si. Porque, afinal de contas, tudo ao menos já passou e você só estava tentando ser feliz. Não fosse essa tentativa de ser feliz também não aprenderia a ser perdoar e a não perder o brilho nos olhos e energia para se permitir viver o que acredita merecer.

É olhar para si com respeito e buscar ser mais carinhoso com os erros do processo – não quer dizer se alienar e não aprender nada com eles – compreendendo que foi uma parte da vida que não mais aceitará de novo. O amor que se aprende a sentir por si é o primeiro degrau de tudo, porque quando a gente aprende a se respeitar, dificilmente aceitamos que o outro nos machuque.

Por isso, acredito que uma relação tóxica não merece ser vivida mais uma vez na vida. Jamais podemos esquecer de seus traços para que ela não se repita. Isso não quer dizer que vá viver de paranoias ou fechado para o que pode vir. Muito menos de que guardará rancor e que vai encarar a vivência como um trauma incurável, ao contrário. A lembrança, numa analogia bem clichê, deveria se tornar apenas um anticorpo que você sabe que está em você, mas não lembra todos os dias dele ou da doença que pode lhe atingir, permitindo que ele se mostre apenas quando for necessário para te salvar.

Se perdoar e seguir em frente em busca do que a gente acredita que vai nos fazer feliz é um ato ousado de coragem. Isso, acredito, é tão forte que capaz de eliminar todo o peso e marcas das sequelas e dores passadas, as deixando no campo das experiências que nunca mais serão repetidas outra vez, a cura para encarar tudo que for preciso para ser feliz.

 

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