Abraço perdido no tempo

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Queria voltar em um dia específico do tempo e encontrar o meu eu criança, lá quando tinha sete anos e ainda havia inocência em enxergar as pessoas. Queria abraçar-me e dizer algumas tantas palavras, na esperança de que talvez conseguissem me proteger da maldade do mundo que em poucos anos iria conhecer.

Me vejo saindo do mar em um típico dia de verão das férias escolares de janeiro. Os olhos ardem um pouco, por causa do sal e sol da praia, mas nada disso importa, porque naquele momento a minha esperança na vida e no mundo estão intactos. Ouço de longe o som do plástico do picolé que está sendo desembalado por mim, relembro o gosto desse lanche e a brisa do dia me conforta. Ela afasta qualquer pensamento ruim que pudesse vir a surgir. O verão sempre me deixou feliz. Por isso, esse seria o momento perfeito de um reencontro para transformar todo o futuro.

Um abraço e palavras de conforto e então me sentiria gigante. Confiante de que a vida pode ser justa e bela, mesmo com a maldade que há no coração das pessoas que conviverão comigo mais adiante. Esse instante é marcante e confortante. Pouco tempo depois dali, tudo desceria a ladeira de tristeza e maldade, com os sonhos castrados e no desconforto de não ser aceito como realmente sou.

Não sabia que o sofrimento que viria adiante me transformaria em alguém como esse eu que deseja voltar no tempo para o abraço. Nem que as consequências desses sentimentos e relação com o mundo, impediria a realização de propósitos e sonhos, e faria me sentir um corpo estranho nos lugares em que sou obrigado a circular. Então o desejo é só de voltar nesse dia específico, para me abraçar. Limpar minhas bochechas de areia e pedir-me um sorriso sincero. Implorar para que ele nunca se desmanche, não importa o que vai vir adiante.

Meus dedos murchos, por tanto tempo nadando na água do mar, tocariam meu rosto de hoje e veria que naquele encontro havia verdade e cada palavra e ação jamais poderia ser esquecida. Mudaria toda uma vida esse retorno do tempo. Diria para meu eu aguentar firme, porque ninguém mais vai conseguir lhe dizer tudo que eu seria capaz de me dizer hoje, agora. Eu seria então esse grande e verdadeiro amigo, alguém que poderia olhar profundamente nos olhos e se mostrar como realmente é. Há beleza em se enxergar como é. Ouvir palavras de incentivo e sentir que esse afeto de poucos segundos pode mudar a vida inteira e, quem sabe, o mundo.

Voltar no tempo me encorajaria a encarar o mundo sem medo. A desviar sem receio das maldades que habitam corações. Me tornaria grande, alguém capaz de se enxergar no mundo, de ser feliz e fazer os outros feliz sendo como é. Permitiria internalizar a crença de que não importa o que me fizerem acreditar, nada além dos meus sonhos, poderia vivenciar e realizar. Afastaria o padrão de que ser triste e frustrado é o normal, tão comum quando enfim virasse ‘gente grande’. Não, não era para esse padrão ser ‘a vida adulta como ela é’.

Um abraço é capaz de blindar o coração e de limar toda maldade que há nos outros e respinga na gente. Um abraço é capaz de confortar e tornar alguém grande o bastante para não sentir medo de tentar se realizar. Um abraço é capaz de manter vivo toda vontade e poder de um sonho realizar.

Um abraço para me aceitar, confortar e não aceitar o que envenena e habita nos olhos do outro.

Depois desse encontro, voltaria, ainda sem saber, transformado para o mar. Limparia o doce do picolé na barriga e mergulharia com os peixinhos minúsculos que aparecem na maré baixa. Com os olhos e coração fortalecidos, manteria o riso dentro de mim e o conforto de acreditar em coisas boas. Um dia banal das férias de verão seguiria agora em outro rumo. No fim do dia, correria livremente pela areia até voltar para o lar e esse mundo inóspito enfim enfrentar.

Um abraço perdido no tempo. O meu abraço.

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