O beijo de fevereiro

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Peguei-me perguntando o que teria acontecido se àquele beijo que estava com tudo pronto para acontecer, acontecesse. Lembro-me dos detalhes. Daquela cumplicidade momentânea, dos seus olhos emanando energia diante do meu corpo, a empolgação, a excitação no ar, o desejo cru, sincero e nu. Estava tudo pronto para o nosso beijo acontecer e ele poderia ter existido. Nossas mãos se tocavam, nossos dedos se enlaçavam, minha cabeça repousava na sua e a sua na minha, estávamos ali, um para o outro. Tudo parecia único e repleto de sentido. De repente, já não existiam parceiros para competir, limitações para limar as nossas intenções. Tudo pronto para acontecer e por que não aconteceu?

Tenho algumas teorias. A principal delas é de que se aquele beijo tivesse acontecido, provavelmente eu teria surtado após a sua excitação momentânea evaporar. Eu me lembraria que aquilo não significaria um começo, mas sim um embaraço em meio a outros que tinha em sua vida. Por outro lado, o beijo poderia ser o início da nossa salvação. Estávamos no nosso segundo ano, ainda havia amor e cumplicidade entre nós. Você ainda não tinha me destruído e quem sabe esse beijo pudesse evitar a destruição futura.

Mas ele não aconteceu. E, apesar de o passado às vezes trazer alguns arrependimentos, não acho que esse beijo não dado pudesse ocupar espaço na galeria de coisas que não fiz e gostaria de fazer, se pudesse voltar no tempo. Seria trágico. Nossa relação seria trágica em qualquer simulação de futuro. E você sabe o por quê? Porque não existe dois apenas com um. Isso é claro hoje, mas naquele tempo não era para mim. Por mais que naquele instante do quase beijo houvesse a oportunidade de início, ela seria, ainda assim, a oportunidade do fim. O início do surto, do destempero, da passionalidade. Eu poderia ter enlouquecido mais do que enlouqueci, se tivesse acontecido o beijo. Poderia ter sofrido infinitamente mais do que sofri, tentando lhe esquecer e superar todas as dores que marcaram nossa relação. Seria o fim de um eu por inteiro

Contudo, o beijo acontecido me traria uma realidade que talvez nem eu soubesse existir. E se essas minhas previsões desastrosas não fosse apenas medo? Não sei ao certo, mas se o beijo tivesse acontecido naquela madrugada de fevereiro enquanto dormíamos sozinhos e abraçados, descobriria algo de você que eu não tinha, saberia o seu gosto, experimentaria a sua excitação momentânea e compartilharíamos um pouco mais de intimidade do que outrora.

Hoje, anos depois do não acontecido, teria eu me sentido bem depois de tudo? Não há como responder, menos ainda vislumbrar o que poderia acontecer com você, mas o que sei é que hoje o não beijo representa um alívio. Um alívio do não vivido, do não envolvimento carnal, das marcas que poderiam ter ficado ainda mais intensas, da dor que poderia arder por mais tempo e me destruir, meu fim.

Talvez você não saiba, nem eu sei também, mas aquele beijo que não aconteceu, foi a nossa salvação. Se foi intencional de sua parte, muito obrigado.

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