As portinhas do Willy Wonka na vida real
Na vida real, existem poucos golden
tickets. Na narrativa de Mel Suart, apenas cinco. Os pais mais céticos, das crianças que encontraram um dos cinco golden tickets – mesmo
parte de um grupo seleto, já favorecido pela sorte de encontrar um destes
tickets – veem a portinha minúscula no interior da fábrica do Willy Wonka com
indiferença e temor. Os mais firmes, logo se negam a entrar nela, porque alegam não
poder passar por ser pequena demais, portanto, difícil.
A portinha, no entanto, ao ser aberta, se transforma em um largo
portão que leva aos visitantes e, sobretudo ao pequeno Charlie, a uma
experiência fantástica e inesquecível. Durante a viagem, as crianças e os pais
resistem ao inusitado. Contudo, essa resistência é parte do medo de um novo
universo completamente diferente das convenções habituais.
A história da portinha da fábrica de Willy Wonka – Willy Wonka & the Chocolate Factory (Mel
Stuart/1971) – são como as coisas novas que aparecem na vida e, mesmo sem
ter noção do que elas podem nos levar, somos resistentes. Quantas portinhas de
oportunidades, relacionamentos e experiências passam pelas nossas vidas, enquanto
nos mantemos céticos e firmes em relação ao seu tamanho?
Na nossa cultura competitiva e de pouca experimentação, se não há
garantias de sucesso ou conforto, a resistência é inerente. O resultado pode
ser frustrante e uma portinha fechada, pode, de fato, nunca ser aberta. Um
emprego ou viagem dos sonhos, um grande amigo ou amor podem nunca se tornar reais.
Negar uma experiência é fechar de vez uma das portinhas. Conviver
com a sensação de como poderia ter sido, às vezes, é um grande martírio, pior
até do que a decepção da experimentação. No entanto, existe uma lei no universo
das portinhas que parece fazer um pouco de sentido: a gente só deixa alguém ou algo ir embora, quando a gente quer.
Simples. Sem firulas, a regrinha universal é essa.
Não sou uma das pessoas que aderem à teoria de que só se dá valor a
algo, quando este é perdido. Mas às vezes essa lei se mostra um pouco concreta,
principalmente quando a portinha estava aberta e havia um Willy Wonka na porta
cheio de surpresas. Havia algo esperando ansiosamente por aventura ou
experiência, disfarçado pela singularidade (que às vezes causa medo) da
portinha e do Willy.
O valor, então, chega quando a fechadura começa a enferrujar e a
portinha começa a resistir em ser aberta. As mensagens e sinais começam a não
vir mais. Os e-mails e bilhetes carinhosos vão deixando de ser enviados. De
repente, a portinha fechada se torna uma lembrança que vai sendo entulhada aos
poucos, em meio ao que vai surgindo.
Aí é que entra a regrinha do só
deixar ir embora algo que a gente quer. Porque quando se quer manter algo
para sempre (ou, aos mais céticos que não acreditam em eternidade, por um longo
tempo), é possível mesmo em meio às distâncias.
É aquele movimento de se pegar numa faxina qualquer e rever um
cartão de alguém (um golden ticket) que só tentou nos dar o melhor em carinho e
amor. Vem à tona a sensação de arrependimento por todo o desinteresse e
indiferença diante das demonstrações de afeto. Às vezes uma pessoa pode ser
cruel com quem só tentou lhe dar um pouco de amor.
Quantas horas alguém gastou pensando em algo especialmente para nós,
ou àquela mensagem de bom dia (que significa, muitas vezes, você é a primeira pessoa que pensei ao
acordar), são deixadas ao vento e só respondidas no final da noite ou
nunca, porque não há interesse em descobrir o que há atrás da portinha? É. Talvez
a lei do valor dado se aplique mesmo,
para quando algo é perdido. Porque, afinal das contas, até as portinhas se cansam
de se manter abertas e se fecham para não sofrerem o peso da indiferença. Assim,
universos são fechados e ignorados cotidianamente em função de qualquer outra
coisa.
O lado ruim, acredito, é quando uma dessas portinhas capazes de
levar ao grande universo mágico de Willy Wonka é trocada por qualquer outra
coisa. Principalmente, pelos portões largos, que parecem dar acesso para
grandes universos, mas que, na realidade, não te tiram da confortável zona de
conforto e do universo já conhecido. Quando essa constatação chega, já não há
mais portinhas disponíveis para entrar e a solidão – mesmo em multidões – é a
companhia. A frustração por não ter experimentado um novo trabalho ou viagem se
projeta como pano de fundo de suas noites.
Charlie saiu transformado, porque passou pela portinha sem resistir
e deu valor a tudo que via no universo do fantasioso do Willy Wonka, mesmo tendo
passado por experiências que lhe deixava assustado. A sua recompensa foi
grande, porque ele também tinha um grande coração. Os outros, no entanto, se
renderam a qualquer coisa e a promessa de um fulano, que aparentava ser maior e
melhor. Eles acabaram perdendo todo o prazer da experiência.
Quanto mais portinhas são ignoradas ou fechadas, mais universos são
descartados. Não que você precise abrir cada portinha, mas àquelas que fazem de
tudo para permanecerem abertas, podem ser um sinal de que o universo está
querendo ser generoso. A portinha pode ser uma experiência capaz de transformar
e nos levar a lugares impensáveis. Portanto, cheque os seus e-mails, caixa
postal, mensagens ou a geladeira – no lugar em que estão os imãs. Cheque até
mesmo o que já não é tão novo, porque pode ser que encontre lá um golden ticket. ∞∞∞